Em produção independente, mulher se torna mãe de quadrigêmeos: ‘Um ato de coragem e de amor’

Luciane deu à luz os quadrigêmeos em agosto de 2017 (Foto: Deise Carvalho/Divulgação)

Luciane deu à luz os quadrigêmeos em agosto de 2017 (Foto: Deise Carvalho/Divulgação)

Desde menina, a administradora Luciane Carvalho, 38 anos, tinha um desejo para o futuro: ser mãe. E não ter um parceiro que pudesse formar com ela uma família não a impediu de realizar esse sonho.

Depois de muito refletir sobre a ideia, ela decidiu fazer inseminação artificial. Para isso, superou o próprio preconceito de ter um filho sem estar em um relacionamento e hoje está à frente de uma nova configuração familiar: a de mulheres que decidiram ter filhos sem a presença de um companheiro.

“Foi sim, um ato de coragem, mas é um ato de muito amor, que eu jamais me arrependo”, diz Luciane ao G1.

Ela só não esperava quatro bebês. “Foi um choque quando eu soube, é claro. Naquele momento, se tornou impossível imaginar como seria a vida com quatro, na situação em que eu estava. Levei uns dias assim, em choque. Mas logo tive o apoio da família e já comecei a imaginar que seria lindo. E hoje eles estão aí, olha”, diz a moradora de Alvorada, no Rio Grande do Sul, orgulhosa ao observar o “trevo”, que ela chama, uma referência ao símbolo da sorte.

Neste domingo (13), ela passará o primeiro dia das mães ao lado de Nicolas, Antonella, Sofia e Valentina, hoje com oito meses.

“É muito lindo. Era um sonho que eu sempre tive e na verdade esse sonho eu vivo a cada dia. Eu vou estar com eles e junto com a minha mãe também. Tenho certeza que vai ser um domingo bem especial”.

Luciane conta que tinha receios sobre a maternidade, embora estivesse certa de que teria filhos. Enquanto refletia sobre a decisão, estabeleceu uma meta: se aos 39 anos não tivesse um companheiro, seria mãe sozinha.

A ideia, porém, foi antecipada ao descobrir que o pai dela estava com mielodisplasia, doença que afeta células do sangue. Ela queria que ele conhecesse os netos.

“Eu sempre me imaginei construindo uma família, do tipo tradicional, com marido, filhos e tudo. A minha vontade era ter dois, por achar que três é muito e um é pouco. Eu tinha colocado essa meta dos 39 anos e se eu não conhecesse alguém bacana, eu faria uma produção independente. Mas no hospital eu refleti sobre correr o risco de o pai não passar por esse momento junto comigo. E esse foi o ‘plim’ que me faltava. Eu toquei a ideia pra frente e graças a Deus deu tempo”, conta Luciane.

Luciane considerou adoção, mas a vontade de passar pela experiência da gestação falou mais alto. “Eu queria muito ficar grávida. Por isso, eu faria uma produção independente, mas o segundo filho eu pensava em adotar. Mas aí vieram quatro e não sobrou mais espaço”, ri.

Por ser uma gravidez de alto risco, Luciane parou de trabalhar com 20 semanas de gestação. Ficou dias em casa, em repouso absoluto, e depois passou mais dois meses no hospital, antes de dar à luz. Os bebês nasceram no dia 29 de agosto de 2017. O avô morreu dez dias depois.

Luciane admite que a escolha pela maternidade solo lhe causou medo. E reconheceu em si mesma uma espécie de preconceito, que foi derrubado com pesquisa e muitas sessões de terapia.

“Na verdade eu tinha alguns receios, sim, mas o meu sonho era muito maior. Eu busquei muita informação, escutei psicólogas sobre como seria a criação e educação dos meus filhos sem um pai, conversei com a minha, inclusive. Acho que a nossa realidade acaba levando com que aconteça cada vez mais esse tipo de nova configuração familiar. Aqui o amor prevalece, às vezes muito mais que em uma família convencional”, afirma.

“Vi que era o meu sonho e não tinha porque deixar de fazer isso, independente de qualquer coisa”.
Ela sabe que, no futuro, terá que contar aos filhos sobre suas origens. Embora delicada, a tarefa não lhe assusta.

“Eu quero ser 100% sincera. Nunca tive a menor pretensão de não falar a mais pura verdade para eles. O fato de não ter a figura paterna presente não significa que não possa ser substituída por uma figura masculina na família, e isso eu tenho. Tudo isso depende da forma de criação e acredito que vai ser muito tranquilo”.

Um é pouco, dois é bom, três é demais e quatro…

Se um filho dá trabalho, imagina quatro. Para levá-los ao pediatra, Luciane marca duas consultas, para cada dupla. “Não cabem todas as cadeirinhas dentro do carro de uma vez”, explica ela, que é proprietária de um Ford Ka.

Além disso, são usadas, em média, 27 fraldas por dia. As trocas e mamadas de cada um são anotadas em um caderno. “Procuro manter a organização o máximo possível”, diz Luciane.

Para dar conta do quarteto, Luciane conta com uma rede de apoio. Além de duas babás, amigos e familiares se revezam para ajudar. “Se eu preciso de algo, peço socorro a eles no grupo do Whatsapp”, brinca.

Há poucas semanas, ela voltou a trabalhar, em uma empresa em Porto Alegre, e passa o turno da tarde fora.

“Quando eu estava grávida, as pessoas já perguntavam de que forma poderiam me ajudar. Nem que fosse para lavar uma louça”, ri.

A história de Luciane e dos filhos Nicolas, Antonella, Sofia e Valentina pode ser acompanhada nas redes sociais, em vídeos e fotos.

Produção independente
A chamada “produção independente” é possível com a ajuda da ciência. Existem dois tipos: fertilização in vitro (fora do corpo da mulher) ou inseminação artificial (o sêmen é introduzido no útero). Nos casos de doação de sêmen, nem a mãe e nem a criança saberão quem é o pai biológico. Por lei, não se pode revelar a identidade do doador. Se conhece apenas as características físicas, como altura, peso, cor dos olhos e do cabelo.

Luciane optou pela inseminação artificial. Neste caso, existe a chance de gestação de múltiplos. Ela, aliás, tem um irmão gêmeo.

“Pode haver a gestação de múltiplos nos casos de inseminação intra-uterina em que foi usado medicamentos para induzir ovulação. Ao invés de ter apenas um folículo para ovular, como quase sempre acontece em um ciclo sem estímulo hormonal, a mulher pode ter dois ou mais folículos prontos para ovular no momento da inseminação”, explica a ginecologista Fernanda Pacheco, especialista em reprodução humana.

Ela admite que tem percebido um aumento de mulheres que a procuram em seu consultório com a decisão de serem mães sozinhas, embora ainda sejam poucos os casos em comparação aos de casais que não podem ter filhos e recorrem a técnicas de reprodução assistida.

“Mas acredito que a procura tende a aumentar devido a mudanças comportamentais da população em relação a relacionamentos afetivos, casamento e família, e devido também à mídia”, observa.

Mãe solo e não mãe solteira
A psicóloga e doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Aline Siqueira, estuda o que chama de monoparentalidade feminina por escolha. Segundo ela, muitas mulheres adiam a maternidade ao saírem para o mercado de trabalho, por exemplo, mas algumas não abandonam o desejo de ter filhos. Isso pode gerar um dilema para elas, já que é uma decisão particular e datada, por fatores biológicos.

“Foi atribuído e aceito historicamente e culturalmente que as mulheres estivessem quase que exclusivamente voltadas para a maternidade. Mas os avanços nos direitos das mulheres, como o acesso a métodos contraceptivos e as conquistas no mercado de trabalho, impactam na vida atual e trazem até impasses para elas. Impasses que a gente não vê nos homens”, pondera a pesquisadora.

“Elas, por vezes, não privilegiaram relacionamentos estáveis em função das carreiras. Mas existe esse imperativo biológico. Tem um reloginho ali naquele corpo. Não dá para esperar até os 50”, sustenta.

Após a decisão, outros desafios surgem para essa mulher. Um deles é como falar sobre o pai com as crianças.

“Vejo muito uma tendência das famílias pensarem que sem a presença física do pai, as crianças estão em desvantagem. Isso não existe. A qualidade das relações familiares é formada por recursos internos e externos, que são muito importantes. Se essa mãe transmitir a verdade dos fatos naturalmente desde o início, os filhos vão entender”, frisa.

Ela defende ainda o termo “mãe solo” e não “mãe solteira”, que considera depreciativo por julgar as mulheres pelo estado civil.

“É claro que hoje muitas famílias são formadas por mães divorciadas com seus filhos. Mas essa carga negativa relacionada ao termo existe por uma questão histórica de que a mulher não poderia ter sua prole sem um marido junto”, aponta.

“Mas com o aumento desse grupo de mulheres que decide ser mãe sem presença de um companheiro, essa nomenclatura tende a mudar. É claro que isso leva um tempo, mas certamente não existe nada científico que aponte que mulheres com filhos sem um parceiro são uma ameaça à família tradicional. Essas afirmações de que elas são fáceis, por exemplo, são perspectivas que se articulam no senso comum e ganham força, mas que são preconceituosas”, analisa.

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