Casa feita com madeira da ferrovia resiste no tempo e na memória de seu Valdemar

Casa está fechada e por muito tempo foi moradia do ex-ferroviário Valdemar. (Foto: Thailla Torres)

Casa está fechada e por muito tempo foi moradia do ex-ferroviário Valdemar. (Foto: Thailla Torres)

Na rua José Alves Ribeiro, no Santo Antônio, parte da madeira de uma casa está se decompondo e a estrutura comprometida, caindo aos pedaços. Mas não há problema que apague as lembranças e a importância que a residência ganhou na vida seu Valdemar Zatti, que durante 20 anos, morou ali com a família. Ele trabalhou durante o mesmo período na NOB (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil), hoje a velha estação, no Armazém Cultural de Campo Grande e a casa que hoje resiste no tempo foi construída com as madeiras que sustentavam os trilhos.

Valdemar não sabe quantos anos a residência tem, mas calcula 40, 50 anos, por aí. Chegou ali a casa já estava erguida, mas sem muitas condições. “Tinha frestas para todo lado, mas a madeira era grossa, bem fincada na terra”, lembra.

Ele conta que a ferrovia, na época, foi quem construiu a casa no terreno, a poucos metros do trilho que ligava Campo Grande a Corumbá. Era ali que dia e noite a família dele ouvia o barulho do trem. Tamanho era o ruído que a casa balançava. “Quando passava, tremia tudo. E não tinha mais nada em volta, era só nossa casa de madeira e outras duas de tijolos, o restante era mato naquele tempo”.

Pequena, a casa tem quatro cômodos, dois quartos, sala e cozinha. Do lado de fora, um banheiro e lavandaria erguido por Valdemar anos depois. Quando chegou, na casa não tinha piso, o que tinha chamavam de “chão batido”. Só depois veio o piso “vermelhão”, que um dos filhos, Marco Zatti, lembra bem os cuidados. “Tinha que encerar bem para dar brilho. Mas pelo menos não era mais terra”, lembra.

Valdemar conta que foi morar na casa de madeira com a família quando começou a trabalhar na NOB, em 1978. Ali viveu alegrias e tristezas. Quando o tempo estava quente, o calor era exagerado. Quando chegava o frio, era de trincar os dentes. “Perdi muitos móveis para a chuva, era goteira para todo lado”, recorda.

Apesar de tudo, nada tira a importância que a casinha tem na vida do ex-ferroviário. “Durante muito tempo ela foi da ferrovia, hoje pertence a Prefeitura. Mas eu lembro que meus filhos cresceram aqui, brincavam em baixo do pé de manga e quando o trem passava era aquela alegria”.

O trabalho na NOB também foi um chance de uma vida melhor e a felicidade de Valdemar. De bicicleta ele ia do Santo Antônio até estação ferroviária para trabalhar. A chegada de cada trem era sinal de trabalho pesado, que muitas vezes, fez Valdemar ser temido pelos passageiros.

“Falavam, lá vem o Valdemar”, lembra de todas as vezes que precisava enviar um telegrama, para o comando da estação, dizendo que um dos vagões tinha dado problemas. “Eu não deixava o trem partir antes de arrumar. As pessoas ficavam bravas comigo, porque a viagem atrasava, mas eu não me importava porque essa era a minha responsabilidade”.

A pressa nunca falou mais alto que a responsabilidade, assim ficou conhecido e ao mesmo tempo que temido, era admirado. “Se o freio desse algum problema no meio da viagem, o vagão podia tombar e seria uma tragédia. Eu tinha que fazer tudo com calma”, diz. Sem contar o desafio. “Os ferros pesavam muitos quilos e a gente apertava tudo braço, usando chaves, mas era preciso força”.

Após 20 anos de profissão, em 1998, Valdemar aposentou da ferrovia. No caminho dos trilhos, o ex-ferroviário também se aposentou das madeiras que durante duas décadas abrigou a família. “A casa não era minha e eu tinha que ter um teto para chamar de meu”.

Valdemar comprou um terreno perto dali. Mas não esqueceu o caminho que levava ao ofício que tanto amou. “Se o trem ainda funcionasse, eu estava lá, trabalhando. Aquela estação era a nossa vida, eu sinto muita falta”.

Hoje para manter as lembranças, seu Valdemar visita semanalmente a Alfapedi (Associação dos Ferroviários, Aposentados, Pensionistas, Demitidos e Idosos) para um encontros com os amigos que os trilhos deixaram. “É bom, a gente lembra do nosso tempo, ele me chamam de véinho e a gente mata a saudade”.

Ao Marco, filho do meio, ficou a lembrança de privilégio que muitos não tiveram até hoje, feito uma viagem de trem. “A gente foi com ele até Camisão, antes de Aquidauana. Foi, uma das paisagens mais lindas que a gente viu. Viajar de trem é outra história”, diz o filho.

Banheiro de tijolo que Valdemar construiu do lado de fora. (Foto: Thailla Torres)

Banheiro de tijolo que Valdemar construiu do lado de fora. (Foto: Thailla Torres)

Ex-ferroviário mostra as pesadas vigas de madeira que ainda sustentam a casa.

Ex-ferroviário mostra as pesadas vigas de madeira que ainda sustentam a casa.

Por uma das frestas, foi possível fotografar o interior da casa, que está fechada. (Foto: Thailla Torres)

Por uma das frestas, foi possível fotografar o interior da casa, que está fechada. (Foto: Thailla Torres)

Se voltaria à casa de madeira? Valdemar admite que não, mas sente pela historia que está se perdendo no tempo. (Foto: Thailla Torres)

Se voltaria à casa de madeira? Valdemar admite que não, mas sente pela historia que está se perdendo no tempo. (Foto: Thailla Torres)

Campo Grande News

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