Brasil vacila sobre meio ambiente e Pantanal começa a encolher

Área do Pantanal localizada no município de Coxim – Foto: Paulo Ribas/ Correio do Estado

As pujantes indústrias de soja e de pecuária do Brasil estão ameaçando um dos mais ricos refúgios de vida natural do planeta, onde bandos de onças, jacarés, cervos e araras vagam em liberdade há eras.

A região do Pantanal, a maior área encharcada tropical do mundo, começou a encolher. Nos últimos 15 anos, cerca de 22,5 mil km2 da região, que se espalha pelo Brasil, o Paraguai e a Bolívia, foram modificados, com manchas cada vez maiores de terra amarela e árida introduzidas no bioma luxuriante, que cobre aproximadamente 180 mil km2, ou aproximadamente o tamanho da Síria.

Essa degradação do Pantanal é considerada pelos críticos um sinal do enfraquecimento da decisão do Brasil de proteger seu meio ambiente.

O governo brasileiro saudou no início deste ano uma modesta conquista em sua principal luta ambiental –conter o desflorestamento da Amazônia–, mas foi embaraçado por outras linhas de tendência. As emissões de gases do efeito estufa aumentaram 9% no ano passado, comparadas com 2015, marcando a maior produção desde 2008.

Alimentadas em grande parte pela transformação de terra florestal para exploração agrícola e outras finalidades comerciais, o aumento das emissões do ano passado pôs em questão a capacidade do Brasil de honrar seus compromissos internacionais de combater a mudança climática, incluindo os contidos no acordo de Paris.

Além disso, dados de mapas compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgados neste mês mostraram que o país perdeu 9,5% de sua área florestal entre 2000 e 2014.

A expansão da agricultura em áreas com pouca regulamentação ambiental ou policiamento coincidiu com um período político turbulento no Brasil, durante o qual uma poderosa coalizão de legisladores federais, representando interesses da agricultura, dominaram na decisão de políticas de uso da terra.

O mais suscetível a esse lobby, segundo ambientalistas, é o presidente Michel Temer, que passou a maior parte do último ano trocando favores com legisladores em uma aposta bem sucedida para convencer o Congresso a poupá-lo de ser julgado por corrupção.

“Na prática, Temer tirou o Brasil do acordo de Paris, assim como fez o presidente Trump, com a diferença de que ele não tem a coragem de assumir essa posição publicamente”, disse Marina Silva, que foi ministra do Meio Ambiente do Brasil entre 2003 e 2008. Nesse período, o país foi celebrado no exterior por seus esforços agressivos para conter o crescente desflorestamento da Amazônia.

“Há um firme esforço para desmontar o aparelho do governo criado nas últimas décadas para apoiar políticas que foram consistentes com a redução dos gases do efeito estufa”, disse Silva.

Temer não esconde seu apoio às indústrias de agricultura e pecuária, chamando-as de motores essenciais do crescimento econômico.

“Muitas vezes se diz que eu, ou meu governo, protegemos os fazendeiros ou os pecuaristas”, disse ele durante um discurso recente em um evento setorial. “É o contrário. São os fazendeiros e os pecuaristas que protegem a economia nacional, e essa é a clara realidade. Não podemos ter medo de dizer isso.”

A Constituição brasileira de 1988, esboçada quando o país saía de um período de ditadura militar, buscou estabelecer um plano para o governo “defender e preservar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações”. Ela rotulou os cinco principais biomas do país, incluindo o Pantanal, como “parte do patrimônio nacional”, cuja conservação seria garantida por futuras leis.

Uma lei que regulamenta o uso sustentável da terra nessas áreas, porém, foi aprovada só para um dos biomas, a Mata Atlântica. Isso quer dizer que os proprietários de terras em lugares como o Pantanal tiveram poucas restrições quando o boom de matérias-primas na virada do século de repente tornou suas terras altamente rentáveis.

A produção agrícola e pecuária do Brasil disparou na última década, gerando uma safra de aproximadamente 238 milhões de toneladas em 2016-17, ou o dobro da de 2005-06, segundo estimativas do governo. No mesmo período, as terras agrícolas aumentaram 26%.

O governo Temer caracterizou o crescimento das exportações agrícolas, principalmente para a China, como um importante ingrediente da lenta recuperação do país de uma recessão de vários anos.

Esse crescimento puxado pelas exportações gerou oportunidades tentadoras para os proprietários de terras no Pantanal, região cujo terreno encharcado e as altas temperaturas antes tornavam inadequado para agricultura. Isso mudou quando novas tecnologias possibilitaram transformar terras encharcadas em campos de soja.

No ano passado, houve 19,4 mil km2 de campos de soja em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os dois Estados que incluem o Pantanal –um aumento de 77% em relação a uma década atrás.

“Graças a Deus temos a China comprando nossos produtos”, disse Roberto Folley Coelho, um fazendeiro que cria gado, planta arroz e soja e hospeda turistas.

Coelho riu da ideia de que suas plantações de soja poderiam estar causando danos ambientais, afirmando que impor regulamentos ambientais à região seria mais danoso que benéfico.

“Tenho medo de que conter a iniciativa privada possa levar a mais pobreza aqui”, explicou ele.

A ameaça de rígidos regulamentos ambientais continua remota no Pantanal. Em 2011, uma lei apresentada no Congresso tentou criar um esquema para o desenvolvimento sustentável da região, mas a legislação emperrou.

“Precisamos chegar a um equilíbrio”, disse Felipe Dias, diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, que defende a conservação das terras encharcadas.

Mas os agricultores, segundo ele, com frequência não veem os danos em longo prazo causados por seus plantios, que desgastam o solo, poluem e desviam rios. Isso modifica o ritmo das temporadas seca e úmida no Pantanal, inundando grandes áreas de forma permanente. “Eles não pensam no amanhã”, explicou Dias. “Desde que estejam bem agora, não se importam com o que acontecerá depois.”

Em nível nacional, um enfoque semelhante para os ganhos econômicos em curto prazo tornou o desenvolvimento sustentável uma ideia secundária, afirmam os ambientalistas.

Em julho, Temer apoiou um projeto de lei que ficou conhecido como “lei dos grileiros”, criando um mecanismo para que as pessoas que ocupavam terras públicas na Amazônia adquirissem títulos de posse. Os ambientalistas combateram a medida, temendo que ela deslocaria as comunidades indígenas e permitiria o desmatamento.

No mês seguinte, o presidente emitiu um decreto que abriu caminho para a mineração em uma área protegida da Amazônia. Depois de um clamor no país e no exterior, assim como um parecer de um tribunal, o governo retirou a proposta.

Essas iniciativas surgiram enquanto Temer, um líder profundamente impopular, gastava enorme capital político afastando a ameaça de julgamento por acusações de corrupção e obstrução da justiça ao convencer deputados a bloqueá-las.

“Carecendo de apoio popular, o governo Temer buscou o apoio de grupos com influência no Congresso, entre eles o bloco agrícola”, disse Carlos Ritti, secretário-executivo do Observatório do Clima, um grupo ambientalista. “Temer usou esse apoio para se proteger das investigações e vendeu a agenda ambiental.”

Autoridades do governo Temer defendem seu histórico sobre meio ambiente, afirmando que as críticas foram exageradas. Sua principal conquista neste ano foi a redução de 16% no desmatamento da Amazônia, depois de vários anos de aumento constante.

“O desmatamento estava descontrolado”, disse recentemente à imprensa o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. “Nós consertamos a situação.”

Outra iniciativa que o governo Temer citou como parte de seu compromisso com o meio ambiente recebeu críticas.

Em outubro, autoridades anunciaram que dariam às empresas multadas por violar regulamentos ambientais grandes descontos para que saldassem suas dívidas. A arrecadação, disse o governo, iria para projetos de conservação. O ministério comentou que só cerca de 5% das multas ambientais foram recolhidas nos últimos anos.

“A medida não dá detalhes e não vai ao centro do problema: o policiamento frouxo”, disse Christian Poirier, diretor de programa na Amazon Watch. “Isso significa uma anistia que reforça o clima de impunidade no Brasil.”

Sarney defendeu a medida como pragmática à luz do fato de que as grandes companhias podem se recusar a pagar multas combatendo-as na Justiça durante anos a fio. A solução em longo prazo, disse ele, é encontrar uma maneira de compensar os proprietários que preservam suas terras.

“Os serviços de proteção às florestas precisam ser pagos”, disse ele.

Adauto Rodrigues Oliveira, um plantador de soja em Miranda, concorda. Segundo ele, os ambientalistas mostram pouca consideração pelo sustento dos agricultores.

“Eles não se importam, simplesmente dizem: você não pode plantar aqui”, afirmou ele. “Os ambientalistas querem proteger a terra, mas não querem pagar indenização.”

Perguntado sobre o impacto em longo prazo de suas plantações de soja na vida silvestre ao redor, ele encolheu os ombros. As pessoas da região são menos pobres que antes de a agricultura decolar na área.

“A soja é um bom negócio”, disse ele. “Está sendo muito bom para o Pantanal.” Folha de S. Paulo

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