Por ser mulher, Maria foi excluída da herança, mas conquistou um império sozinha

A fazendeira que por muito tempo viu o sol nascer, trabalhou por 60 anos cuidando do gado e fazendo a produção crescer a cada dia

Por anos, nada apagou o sorriso de dona Maria. A fazendeira que por muito tempo viu o sol nascer, trabalhou por 60 anos cuidando do gado e encarando, inclusive, o desprezo de quem acreditava que fazenda não era coisa de mulher. Enxergou desde pequena o que era preciso para se defender com sabedoria e foi capaz de cultivar um amor incondicional pela vida que hoje é fonte de inspiração para quem a teve por perto.

Conhecida como uma senhora “sortuda”, Maria Pontes de Oliveira descansou em julho de 2014, dentro de casa. Era a mulher que chegou em Campo Grande em 1976 para mais um de seus recomeços na vida, sem perder o sorriso e a força de vontade.

A série O que ficou de quem partiu de hoje, surgiu das palavras de uma das netas de Maria, a advogada Beatriz Navarini, de 24 anos, que descreveu inúmeras vezes a resistência que transbordava da avó, mesmo diante de tantos desafios.r, Maria foi excluída da herança, mas conquistou um império sozinha

Beatriz recorda o lado mais especial das histórias da avó, com episódios que foram contados pela própria Maria em seu diário, escrito à mão, de 1995 a 2014. Tudo pelo sonho de ver sua trajetória transformada em um livro. “Era o sonho dela”, diz a neta.

Maria perdeu tudo em alguns momentos da vida. Mas se reergueu de maneira mais surpreendente. Nascida no interior de São Paulo, o pai era dono de fazendas. Aos 9 anos, ela já subia em um banquinho e cozinhava para os funcionários da propriedade. “A mãe dela tinha câncer e minha avó trabalhava enquanto sua mãe ensinava tudo deitada. Mas aos 12 anos viu a mãe falecer e precisou morar com uma tia, porque os irmãos e o pai passavam dias fora da fazenda. Lá também foi obrigada a fazer todos os serviços da casa”.

Anos depois, Maria também perdeu o pai, que além da ausência de carinho, excluiu a única filha da herança da família. “Ela achou que ficaria com alguma parte da fazenda que tinham, mas descobriu que o pai não tinha deixado nada para ela. Ele acreditava que uma mulher não saberia cuidar de uma fazenda e acabaria com o patrimônio que ele havia construído”, conta.

Mas a tristeza não tomou conta da mulher que, por sorte, deu de cara o amor. “Minha avó casou com Arthur Paula de Oliveira, um homem gentil, que ao seu lado, conquistou um pedacinho de terra. Trabalharam duro por muito tempo, até que uma nova tragédia passou pela vida dela”.

Maria e o esposo sofreram um acidente de carro. Seu Arthur não resistiu, Maria ficou três meses de cama, enquanto lutava para cuidar dos filhos.

Viúva, ela precisou recomeçar a vida, ao lado dos sete filhos, 1 homem e 6 mulheres. “Ela precisou vencer o preconceito por ser viúva, mulher e dona de uma fazenda em um tempo que não havia estudo. Muita gente duvidou que ela daria conta de cuidar das próprias terras, mas não só deu conta, como conseguiu multiplicar tudo o que tinha. Por isso ela sempre repetia a frase que a fez subir na vida: eu hei de vencer”, reproduz Beatriz ao lembrar do que avó contava.

Mas de São Paulo para Campo Grande, a história ganhou um novo rumo depois que Maria enfrentou uma geada em 1975. “Ele perdeu toda sua plantação de café, em um período que buscava dar estudo para os filhos mais velhos. Com história de prosperidade em Mato Grosso do Sul, ela decidiu vir embora para continuar trabalhando e lutando pela família”.

Tornou-se uma pecuarista de talento, que hoje traz orgulho à saudade sentida. Além de brilhar como uma sortuda, que conquistava tudo o que queria. “Ela viveu intensamente. Durante anos, além de trabalhar, conseguiu viajar para alguns lugares do mundo. Ganhou um carro na Telesena do Silvio Santos e teve a sorte de encontrar o apresentador durante uma viagem à França. Também foi Rainha Campo Grande no Encontro da Melhor Idade”.

Mas um dos momentos inesquecíveis tornou-se uma tradição em família. Todo ano, Maria reunia os netos e os filhos para ajudar na produção de pamonhas que eram feitas com o milho da própria fazenda. “Era um evento que todo mundo tinha que participar. Os netos iam todos arrumadinhos para a força-tarefa da colheita até a famosa ‘pamonhada’. Ela botava todo mundo para trabalhar”, descreve.

E antes mesmo do sabor chegar à memória, as palavras despertam em Beatriz a saudade de ter a receita e o jeitinho tipicamente de “vó” por perto. “Todos os dias acordo querendo me parecer mais com ela, é o desejo de todas as filhas e netos, ter o mesmo princípio, força e integridade que ela tanto batalhou para nos deixar”.Campo News

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