Defensoria pede R$ 700 mil de indenização por danos morais individuais e R$ 1 milhão por danos morais coletivos
A Defensoria Pública de Mato Grosso, por meio da 4ª Defensoria Cível de Sinop e do Grupo de Atuação Estratégica em defesa da População em Situação de Rua (Gaedic Pop Rua), ingressou com uma ação civil pública (ACP) em face de Hildebrando José Pais dos Santos e Adonias Correia de Santana por agressão contra Anderson Luis da Silva Zahn, 26 anos, que ocorreu em Sinop (480 km de Cuiabá) no dia 6 de abril de 2020.
A Defensoria Pública solicitou indenização por danos morais nos valores de R$ 700 mil por danos individuais cometidos contra Anderson e R$ 1 milhão a título de danos coletivos causados às pessoas em situação de rua, valor que seria destinado ao Fundo Estadual de Defesa das Pessoas em Situação de Rua, nos termos do artigo 13 da Lei 7.347/1985.
Anderson conta que se sentiu humilhado na ocasião. “Naquele momento, eu me senti um lixo, um nada. Porque eu já morava na rua, as pessoas quando olhavam para mim achavam que eu ia roubar quando chegava para pedir. Eu me coloquei mais para baixo ainda”, relatou.
Natural de Tapurah, região de Lucas do Rio Verde, ele acredita que os agressores premeditaram toda a situação. “Na hora, eu vi o rapaz com o celular na mão, mas jamais eu ia imaginar que o cara estava gravando. Eles já tinham o intuito de me bater, me desmoralizar mais do que eu já estava, queriam me botar cada vez mais para baixo para eu me sentir a pior pessoa do mundo”, declarou.
Foram cerca de oito anos morando nas ruas. Apesar disso, Anderson afirma que nunca recusou trabalho. “Muitas vezes, quando eu estava pedindo no sinal ou no mercado, aparecia uma pessoa que tinha um serviço para oferecer e eu fazia, um quintal para carpir, por exemplo, sem problema algum”, disse.
Devido à vida nas ruas e também por lutar contra uma dependência química, Anderson acabou se separando há cerca de dois anos. “Foi por conta das drogas. Mas um amigo de um advogado me procurou, ofereceu ajuda, e eu fui no mesmo dia para uma clínica me tratar, narcóticos anônimos. No começo, eu não queria muito o tratamento, depois foi entrando na minha cabeça”, confessou.
Foram seis meses de tratamento em uma clínica de reabilitação particular em Cuiabá. “Quando eu saí, meu cunhado me arrumou um serviço de servente. Depois que saí da clínica, não parei de trabalhar e nunca mais usei drogas. Agora, estou trabalhando como pedreiro”, contou, orgulhoso, por telefone.
Em janeiro deste ano, Anderson se casou novamente e, com o novo emprego, passou a morar de aluguel. “Quem me vê agora nem acredita que era eu naquele vídeo, magro, malvestido. Hoje, se eu encontrar uma pessoa na rua, vou fazer o possível para tirar aquela pessoa de lá”, disse.
Violência – A ação “visa a reparação dos danos sofridos por um cidadão em situação de rua e, junto com ele, de toda uma coletividade de pessoas que se encontram nessa mesma situação jurídica, em virtude dos desprezíveis atos perpetrados pelos requeridos que, sem qualquer razão e justificativa, desferiram violência verbal, física e psicológica em desfavor”.
De acordo com a ACP, os atos ilícitos ocasionaram ofensa à honra e dignidade de Anderson e de toda a coletividade das pessoas em situação de rua. “Necessário o ajuizamento da presente ação para se fixar uma indenização hábil a reparar o sofrimento causado e que sirva como medida pedagógica e inibidora de reiteração da infeliz conduta ofensiva”, diz trecho do documento.
O evento ocorreu no dia 6 de abril do ano passado, quando Anderson, que vive em situação de rua, passava pelo cruzamento da avenida Sibipirunas com a avenida Tarumãs, em Sinop, segurando uma placa com os dizeres “TO COM FOME, VOCÊ PODE ME AJUDAR?”. Por volta das 12h45, Adonias e Hildebrando pararam o carro e, com uma nota de vinte de reais na mão, perguntaram se Anderson estava com fome.
Começou, então, uma conversa entre Adonias e Hildebrando, no carro, e Anderson, na rua, até que Adonias, de maneira violenta, sem qualquer justificativa, desferiu um forte tapa no rosto de Anderson e disse: “Vai trabalhar, vagabundo, filho da puta! Quer mais um? (referindo-se ao tapa)”.
Toda a ação foi gravada por Hildebrando, que conduzia a caminhonete e ao mesmo tempo instigava Adonias. “Assim, verifica-se que os requeridos, em comunhão de esforços e desígnios, covardemente, por motivos fúteis e torpes, ofenderam e agrediram a integridade física, moral e psicológica do Sr. Anderson, sem qualquer justificativa”, diz trecho da ação.
Além de realizar os atos de violência física e verbal, os agressores ainda filmaram e divulgaram as imagens, “o que demonstra o planejamento de toda a ação ilícita, com o intuito único de desmoralizar e vilipendiar um cidadão que, em razão de sua condição de vulnerabilidade social, apenas suplicava por ajuda para poder COMER!”, de acordo com o documento.
Humilhação – O vídeo com as cenas de agressão viralizou em todo o Brasil, sendo amplamente compartilhado nas redes sociais e aplicativo de mensagens, como o WhatsApp, e também foi reproduzido pelos veículos de imprensa regionais e até mesmo de alcance nacional.
Segundo os autores da ação, além de ter sido agredido, Anderson ainda foi vítima de humilhação a nível nacional, colocando não só a vítima em situação vexatória como também todas as pessoas que vivem em situação de rua “que se sentiram ainda mais desprezados e marginalizados em razão da infeliz desigualdade social vivenciada no Brasil”.
A repercussão do caso ganhou proporção tão grande que o Movimento Nacional de População de Rua e o Fórum de População de Rua de Cuiabá publicaram notas de repúdio ao ocorrido.
“Ora, como dito anteriormente, os atos desprezíveis perpetrados pelos requeridos contra a vítima demonstram claramente as tipificações (estigmatização) das pessoas em situação de rua e suas consequências violentas”, afirmam os autores da ACP.
Ainda de acordo com a ação, “`tais atos acabam por legitimar e estimular outras condutas preconceituosas, segregadoras e violentas da sociedade em relação às pessoas em situação de rua, eis que permanece a sensação de impunidade diante da ‘invisibilidade’ desta coletividade vulnerável cuja vida não tem valor, pode ser desprezada”.
Também foi solicitada a concessão da tutela de urgência de natureza cautelar para o arresto dos bens dos requeridos para “impedir que estes dilapidem seu patrimônio com o intuito de se furtar ao pagamento de eventual indenização”.
Signatários – A ação é assinada pelo defensor público Leandro Jesus Pizarro Torrano, coordenador do Núcleo Cível de Sinop, e pelos defensores públicos e membros do Gaedic Pop Rua, João Paulo Carvalho Dias, Kelly Christina Veras Otacio Monteiro, Rosana Esteves Monteiro Sotto Mayor, e Shalimar Bencice e Silva. ReporterMT