Declarações do presidente Bolsonaro surpreendem integrantes do governo

Em pouco mais de 12 horas, três declarações do presidente Jair Bolsonaro surpreenderam integrantes do próprio governo e provocaram reações de analistas do mercado.

A primeira declaração foi sobre a reforma da Previdência. Bolsonaro disse que vai propor idade mínima para aposentadoria, de 57 anos para mulheres e 62 anos para homens. A segunda declaração do presidente foi sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a redução do Imposto de Renda. E, na terceira, Bolsonaro emitiu sinais de que que poderia impor restrições à compra da Embraer pela Boeing.

O homem indicado desde a campanha eleitoral para falar de economia, o agora ministro Paulo Guedes, não falou. Ao contrário. Depois das declarações do presidente sobre mudanças nos impostos, ele cancelou compromissos públicos e não se manifestou. O secretário da Receita Federal desmentiu alterações no Imposto de Renda e no IOF.

Só no fim da tarde, o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tentou acalmar os ânimos. Chegou a dizer que o presidente se equivocou sobre a mudança nos impostos e que a proposta da reforma da Previdência mencionada por Bolsonaro foi para mostrar que será uma transição humana, que vai respeitar os direitos das pessoas.

O presidente já está morando no Alvorada com a família. Mas quando as visitas chegaram, cedo nesta sexta-feira (4), Jair Bolsonaro já estava cumprindo agenda, fora do palácio, na base aérea, na troca de comando da Aeronáutica.

Bolsonaro falou com os jornalistas na saída. Confirmou que tinha assinado um decreto que aumentaria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Segundo o presidente, a medida foi tomada para compensar a concessão de incentivo fiscal dado a empresas no Norte e Nordeste, por meio da Sudam e da Sudene. Ele sancionou uma lei aprovada pelo Congresso que prorroga esses benefícios até 2023. Bolsonaro vetou apenas a extensão para a Sudeco.

Bolsonaro não explicou por que não vetou a pauta-bomba, criticada por ele antes de assumir o governo. Para compensar essa renúncia fiscal autorizada por ele, disse que iria aumentar o IOF, Imposto sobre Operação Financeira, mas reduziria a alíquota do Imposto de Renda de 27,5% para 25%.

“Uma ideia inicial. A maior alíquota nossa é 27,5%. Passaria para 25%”.

Não demorou muito para o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, o secretário-geral da Fazenda, Walderi Rodriguez, e o secretário-adjunto, Esteves Colnaro, correrem para o gabinete do presidente Bolsonaro. Não era bem assim como o presidente havia dito: não haverá aumento de IOF nem redução de Imposto de Renda. Foi o que saiu dizendo o secretário da Receita em entrevista gravada por Nilson Klava.

“Não vai haver nada que esteja sendo discutido em relação à alteração ao Imposto de Renda. Imposto de Renda é um capítulo da reforma tributária que vai ser analisado posteriormente, no tempo correto, no tempo devido. E com relação ao IOF não haverá nenhum incremento de IOF para dar respaldo para oferecer a compensação aos benefícios fiscais que estão sendo concedidos agora à Sudam e Sudene. O que haverá é uma limitação do usufruto destes benefícios aos recursos orçamentários já existentes. Consequentemente, não haverá impacto orçamentário algum e não há necessidade de compensação e nenhum aumento de imposto. Queria deixar claro que o ministro Paulo Guedes colocou isso como uma pré-condição importante, de que não haveria aumento de impostos. Esta, inclusive, é uma promessa de campanha do presidente da República e consequentemente está sendo cumprida à risca esta determinação dele”.

No fim da tarde, foi a vez do ministro-chefe da Casa Civil se pronunciar. Primeiro Onyx Lorenzoni explicou por que Bolsonaro manteve os benefícios a empresas do Norte e do Nordeste se considerava a medida uma pauta-bomba.

“O fato disso ter vindo para nosso governo foi sim uma pauta-bomba. Isso foi superado. Para cada real concedido de subsídio na Sudam e na Sudene em média são mais de R$ 12 em investimentos. Então, tem uma significação importante. Na análise que foi feita o presidente optou pelo sancionamento dada a experiência da aplicação de 2013 para cá. Trata-se de uma prorrogação por cinco anos, podendo ser prorrogada por mais cinco. O governo anterior deveria ter sancionado a questão da Sudam e da Sudene. Ao transferir para o governo com prazo curto de resolução – porque vencia ontem o prazo de sanção ao veto – é claro que foi jogada uma bomba no colo do atual presidente nesse sentido. Por que sancionou? Porque é meritório, porque a região Norte e Nordeste precisam”.

Depois Onyx explicou que o decreto que aumentaria o IOF, que chegou a ser anunciado por Bolsonaro, era apenas uma hipótese que foi descartada. O ministro disse que o presidente se equivocou.

“A questão do IOF é que foi uma das alternativas para dar sustentação a prorrogação. Ele assinou a sanção e assinou também um decreto que dá a garantia para execução sem aumento de impostos, é isso. É que uma das hipóteses que havia sido aventada pela equipe econômica para poder dar sustentação à continuidade do programa seria o corte de benefícios ou aumento do IOF. Quando isso chegou para análise hoje pela manhã isso confrontava diretamente todo o compromisso que o governo assumiu ao longo da campanha eleitoral de redução da carga tributária. Então aí desde hoje de manhã cedinho nós estávamos dedicados a buscar uma outra solução que nós encontramos. Está resolvido. Ele se equivocou, ele assinou a continuidade do projeto da Sudam e da Sudene”.

O ministro reafirmou que não haverá aumento de impostos.

“Estava toda uma celeuma estabelecida no país que ia ter aumento de impostos, então, não dá para amanhã, a partir do dia de hoje, o cidadão brasileiro, ‘ah, votei no Bolsonaro e vai ter aumento de imposto’? Não vai ter aumento de imposto, estou afirmando aqui, não haverá aumento de impostos”, disse Onyx.

Outro assunto que surpreendeu a equipe econômica foi a reforma da previdência. Na entrevista da manhã desta sexta-feira, Bolsonaro disse que vai apresentar a proposta ainda em janeiro e falou em idade mínima para aposentadoria.

“A proposta sai este mês, vamos aproveitar que está na Câmara, a última proposta minha, vamos assim dizer, é aproveitar e ela está num espaço temporal, que termina em 2030. Então tudo aquilo que é para entrar em vigor até o final de 2022, essa é a última ideia, que eu quero ver se a gente consegue colocar em prática e apresentar – apresentar não – compor com o parlamento, já que a resposta está lá. Então seria, como está na proposta agora, o 62 indo para os homens, no final de 2022. E para mulheres de 55 para 57”, disse Bolsonaro.

O presidente não explicou se a idade mínima de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres seria para funcionários públicos ou para trabalhadores da iniciativa privada ou para os dois. Os regimes de previdência são diferentes, separados, e ambos deficitários. Em 2019, o rombo dos dois regimes deve superar os R$ 300 bilhões.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que, na verdade, nada está definido sobre a idade mínima, e que a intenção do presidente ao falar sobre o assunto foi apenas enfatizar que a transição do atual modelo para o futuro será suave.

“Quando o presidente fala em números – e falou no número de 57 e 62 – o que ele quis dizer? Ele quis dar uma tranquilidade para as pessoas, que não vai haver uma ruptura, vai ser feita uma transição lenta e gradual. Com que objetivo? Preservando os direitos das pessoas, tendo um olhar humano para a reforma da previdência e fazendo as coisas gradualmente. Isso que o presidente quis dizer”, disse Onyx.

“Não tem ruído algum, a equipe econômica chefiada pelo professor Paulo Guedes vem trabalhando desde que se iniciou o processo da transição para elaborar dois caminhos de proposta da reforma da Previdência dos quais o professor Paulo Guedes já falou à exaustão, que todos vocês já testemunharam – reconheço vários rostos que já ouviram ele falar isso. Primeiro, a atual Previdência brasileira é um navio com casco furado, é um barco, ou é um avião que tem uma pane que precisa consertar. E é isso uma parte do trabalho no sentido de como é que nós consertamos o nosso navio que está com casco furado”.

O discurso de Bolsonaro sugerindo que a reforma da Previdência poderia ser mais branda não pegou bem entre investidores porque não enfrentaria o principal problema do Brasil hoje: o rombo nas contas públicas. Analistas econômicos avaliam que versões confusas do texto devem persistir até o projeto ser enviado ao Congresso.

Outra afirmação do presidente, sobre a Embraer, também repercutiu. Ele reconheceu a necessidade do acordo da Embraer com a Boeing, mas com ressalva ao que está proposto.

“A Embraer, eu tenho acompanhado. Nós não podemos, lógico que nós precisamos, seria muito bom essa fusão, mas nós não podemos, como está na última proposta, não é? Daqui a cinco anos, tudo pode ser repassado para o outro lado. A preocupação nossa é essa, é um patrimônio nosso, sabemos da necessidade dessa fusão, até para que ela consiga competitividade e não venha se perder com o tempo”, afirmou Bolsonaro.

As ações da Embraer despencaram 5%.

Sobre as ações da Embraer, o ministro Lorenzoni divulgou uma nota logo após a entrevista. Disse que as ações voltaram ao mesmo patamar de cinco dias atrás; que a manifestação do presidente Bolsonaro foi legítima porque cabe a ele zelar pelos interesses estratégicos nacionais nas empresas onde há golden share.

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