Após ficar separada da mãe por 22 anos, por conta de abusos sexuais e cárcere do padrasto, Márcia Cristina dos Santos, de 38 anos, teve um final feliz nesta semana. Com a ajuda da investigadora Maria Campos, que atua na busca por desaparecidos em Mato Grosso do Sul, ela conseguiu reencontrar a mãe.
O encontro só foi possível depois da morte do abusador. O padrasto de Márcia morreu há cerca de 7 anos, após se envolver em uma briga em Paraíso das Águas, na região norte do estado. Depois disto, ela se mudou para Chapadão do Sul e procurou a investigadora. Após buscas, Maria Campos localizou a mãe de Márcia em Mirandópolis, no interior de São Paulo.
A alegria do reencontro, entretanto, não fez Márcia esquecer dos anos ao lado padrasto abusador. Muito emocionada, ele contou ao G1 que a história de terror começou ainda no interior de São Paulo, quando sua mãe conheceu o padrasto, que, na época, trabalhava em fazendas da região.
Márcia lembra que o homem convenceu sua mãe a vir para Mato Grosso do Sul, onde, segundo ele, teriam mais oportunidades de emprego e a vida seria melhor. Deste modo, eles se mudaram para Ribas do Rio Pardo, a 84 km de Campo Grande.
Já em Mato Grosso do Sul, ela lembra que o comportamento do padrasto mudou. Ele passou a ficar agressivo, batia na esposa e chegava a deixá-la com o corpo cheio de hematomas. Além disto, quando ela completou 9 anos, passou a ser abusada sexualmente pelo homem.
Márcia recorda que, na primeira vez em que o padrasto tentou abusar dela, sua mãe não estava em casa. Ela resistiu e ele a ameaçou dizendo que sua mãe sofreria as consequências pela “rejeição”. Quando a mãe chegou em casa, o homem atingiu a mulher na cabeça com um pilão e chegou a jogá-la desacordada, mas, ainda viva, dentro de uma vala, sendo que depois a cobriu com terra.
“Eu e meu irmão tiramos nossa mãe da vala e a levamos para casa, limpamos a cabeça dela e colocamos pó de café no ferimento, usamos também medicamento de uso em gado, para ajudar na recuperação”, recorda.
Márcia conta que a mãe passou muito mal e que o padrasto não permitia que eles a levassem ao médico, apesar da gravidade dos ferimentos. Após alguns meses, ela diz que a mulher se recuperou e o padrasto voltou a tentar abusar dela. Houve nova resistência e mais uma vez ele tentou revidar na mãe dela.
Barbárie
Desta vez, o homem colocou soda cáustica no café da companheira, que percebeu e escapou por pouco. “Depois disso, um dia em que eu e meu irmão estávamos na escola, ele esquentou um ferro de marcar gado e tentou marcá-la. Ela conseguiu fugir e saiu de casa. Queria ir nos buscar depois de encontrar um lugar parar morarmos, mas, quando ela voltou, já tínhamos nos mudado”, relembrou.
“Quando chegamos da escola, no dia em que ela fugiu, ele disse que ela tinha nos abandonado e que tínhamos sorte de tê-lo como família”, lembra a vítima.
Logo após a mudança, Márcia conta que passou a viver como esposa do próprio padrasto. Em meio aos abusos, acabou engravidando. “A primeira vez, eu tinha 11 anos, ele me obrigou a tomar abortivo e eu perdi a criança. Depois, tive um filho dele aos 12 anos e outro aos 17”, explica, sem dar maiores detalhes.
Mudanças de endereço
Márcia diz que, em meio às outras pessoas, o padrasto se apresentava como pai dela, e quando começavam a desconfiar do que realmente acontecia, mudavam de endereço, sempre em locais isolados. “Nunca tínhamos acesso a telefones ou contato com outras pessoas sem a autorização dele”.
A história de horror, terminou somente, conforme ela, quando ele morreu. A partir daí, ela se mudou de cidade e procurou a Polícia Civil para localizar a mãe. “Com a história dela, outras Márcias vão surgir. Hoje nossa equipe atende o país inteiro, trabalhamos muito para atender o máximo de solicitações. Cada reencontro é muito gratificante”, explica a investigadora.
A policial destacou ainda que casos como o de Márcia, que envolvem violência doméstica e abuso sexual, demonstram a importância da população em denunciar agressores e abusadores. “É importante que a população saiba que a Lei Maria da Penha tem abraçado cada vez mais a causa das mulheres, então todos devem ficar atentos e que, em briga de marido e mulher, se mete sim a colher”, finalizou.G1