“Depois de quase 30 anos, ser chamada de gorda já não me afeta”, diz Mariane

Depois de se aceitar, Mariane passou a ser uma pessoa feliz, de peito aberto para o mundo. (foto: Paulo Francis)

Depois de se aceitar, Mariane passou a ser uma pessoa feliz, de peito aberto para o mundo. (foto: Paulo Francis)

Esse sorriso no rosto de Mariane Leal Medeiros, de 31 anos, demorou muito pqra ser possível, mas hoje ela diz que não se despe dele por nada no mundo. Com histórico de bullying severo desde a infância, alvo de preconceitos dos próprios pais e dos ex-namorados, ela garante que teve de ouvir muitas asneiras e dar muita importância a elas para só então entender que o seu corpo somente devia satisfações à ela.

Mariane conta que sempre teve porte de gente gorda, desde a infância. ”Meus quadris são largos, tenho peitos fartos, canela grossa, então, por mais que eu fizesse muita dieta e até mesmo se eu tivesse transtornos alimentares, essa situação nunca ia mudar”, explica. Sem quadril padrão das modelos internacionais, com seus 88cm, a bióloga por formação foi lá e provou que dava para ser modelo mesmo plus size, e sobre essa experiência de autoconhecimento, ela inspira a outras mulheres no Voz da Experiência.

‘Eu sempre fui gordinha. Hoje, vendo minhas fotos de infância, noto isso. Desde bem pequena eu sabia, porque as pessoas faziam questão de mostrar, que eu era diferente. No colégio, sabe aquela música ‘gorda, baleia, saco de areia?’, então, vocês não em noção do tanto que eu já chorei ouvindo isso na sala de aula

Eu chorava porque não queria ser diferente, queria ser igual a todas as minhas outras colegas. Eu chorava porque passei a rejeitar o meu corpo, por mais que eu tentasse me adequar ao padrão, nem pra mim, nem para os meus namorado e nem mesmo para os meus pais estava bom. Cheguei a pesar 59 quilos e, mesmo assim, eu era gorda. 

Na adolescência, ouvi de duas coleguinhas minhas que eu deveria me matar, afinal eu nunca mudaria meu corpo e, por ser uma menina fraca demais, no ponto de vista delas, deveria pôr um fim na minha vida para o meu próprio bem.

E como se não bastasse, ao chegar em casa eu também tinha de ouvir os julgamentos vindos dos meus pais, que não tem o mesmo padrão de corpo do meu. Hoje, eu vejo as coisas de fora e consigo ver que eles idealizaram uma filha magra, antes mesmo de eu nascer. Eles sonhavam comigo em um outro corpo, então por isso a rejeição por meio de palavras agressivas.

Do rosto, ela sempre gostou. (foto: Paulo Francis)

Do rosto, ela sempre gostou. (foto: Paulo Francis) 

Dos meus namorados sempre tive, também, rejeição. Eles me incentivavam a fazer dietas, a malhar, a mudar o meu corpo gordo para um corpo magra. Por sempre estar em busca de aprovação, carente, eu aceitava de tudo, até mesmo o pior que tinham a me oferecer.

O meu primeiro namorado, que era meu ídolo, eu era louca nele, era ele na Terra e Deus no céu, foi o pior. Ele apontava na rua mulheres magras e dizia coisas como ‘aquilo ali que é mulher’. Como não foi de surpreender, ele me traiu e me ligou para terminar comigo por telefone, e disse que me chifrou com uma mulher de tal e tal jeito, só para diminuir o meu corpo.

Nesse momento começou a minha decadência e a depressão profunda. Lembro que nessa época eu estava me mudando, vindo para Campo Grande fazer faculdade de Biologia e foi tudo meio junto. Por vergonha e tristeza, eu quase não saia de casa e, quando saia, era para ir à aula. Acumulei muitas faltas nesse período, a coisa foi feia mesmo.

Para tentar sair dessa, eu procurei um psicólogo, e foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida. O acompanhamento começou quando eu estava com cerca de 18 anos e eu só fui receber alta há cerca de dois anos.

Paralelo à terapia, eu comecei a fazer dietas mirabolantes. Cheguei a ir a um endocrinologista e ele me receitar três medicamentos para emagrecer. Tomei eles juntos por cerca de seis meses, emagreci 12kg, mas foi só parar de tomar que engordei tudo de novo.

Graças a Deus hoje agradeço por nunca ter tido nenhum transtorno alimentar, apesar de já ter compensado os meus descontroles alimentares na academia. Como eu me privava de comer muitas coisas, quando me dava fome eu me descontrolava e, para me castigar, me obrigava a ficar horas e horas malhando.

Eu busquei o tratamento pelo mesmo motivo que busquei a terapia, a errônea vontade de querer ser aceita pelos outros. Hoje, consigo entender que eu encontrei essa aceitação, mas dentro de mim. Eu aprendi a amar meu corpo, minhas curvas.

Do meu rosto eu sempre gostei e inclusive ouvi muito dos outros ‘nossa, mas você é tão bonita, por que não emagrece?’.

Foi no divã que eu me encontrei. Entendi que eu podia ser o que quisesse e entendi a minha missão nesse mundo, que é servir de exemplo para outras mulheres que passam pelo mesmo que eu. Mostrar que não é porque a cabeça dos outras é errada que é preciso ter algo de errado com o corpo também.

Faz cerca de dois anos que eu parei de fazer dietas. Apesar de nunca ter tido uma alimentação ruim, hoje eu como de tudo, sem peso na consciência. Mas pra você ter noção, faz anos que eu não piso em um fast food, até porque sou vegetariana.

Foi nesse momento que decidi participar do primeiro concurso de Miss, em fevereiro deste ano. Na terapia eu aprendi que eu precisava me permitir viver coisas novas e, quando surgiu a vaga, eu pensei: ‘Por que não?’.

Tive 20 dias pra me preparar pra esse primeiro concurso e eu tirei o terceiro lugar, que pra mim é como se fosse o primeiro, visto que eu nunca tinha pisado num palco para desfilar na vida, muito menos feito um ensaio fotográfico.

Vou participar de mais dois concursos, o Miss Mundo MS e o Plus Model Brasil e, pra ser sincera, se eu ganhar o primeiro lugar vai ser incrível, mas só de eu poder inspirar outras mulheres já me sinto realizada. A representatividade é muito importante e, assim como eu me inspiro na Fluvia Lacerda e na Daiana Garbin, quero poder fazer a diferença.

Participar dessa mudança de atitude do mundo e ver até mesmo a mudança no mercado da moda, é uma grande satisfação pra mim. E pessoalmente, essas mudanças tem acontecido muito rápido. Eu devo abandonar meu emprego como bióloga pra trabalhar com moda e, imagina, eu nunca me imaginei fazendo isso.

Hoje, se me chamam de gorda não me afeta mais, afinal essa é uma característica do meu corpo. Me dói ouvir coisas que se referem a minha capacidade como profissional, como pessoa, e quero que outras mulheres entendam isso, assim como eu demorei quase 30 anos pra entender.” Campo Grande News

 

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