Dia 1º de fevereiro, Gilvania Ferreira Santos Baltar entrou em estado de graça ao se formar no curso de Letras pela Uems (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul), em Dourados. Para muita gente, essa é uma conquista que faz parte da vida, já pra ela era algo inimaginável. Aos 42 anos, a carioca radicada em Mato Grosso do Sul aprendeu a ler e aos 54 se formou.
Quando era criança, Gilvania até chegou a ir a escola, mas saiu de lá no Jardim da Infância. Sua mãe teve oito filhos e com o falecimento do pai, a filha se sentiu na obrigação de começar a trabalhar. “Saí do colégio e sabia ler letreiro de ônibus mas não conseguia ler uma frase inteira, não entendia”.
Aos 20 anos ela veio pra Ponta Porã já casada, e a família cresceu ao lado do marido. Mas só depois de mais de 25 anos, quando os filhos já estavam criados, a mãe tomou coragem de pisar em uma sala de aula de novo. Mal sabia que doze anos depois, seria ela a lecionar.
No Estado, Gilvania participou do Projeto Educar, antigo Mobral (Movimento Brasileiro de Educação). “Fui melhorando, melhorando e digo que fui picada pela vontade de estudar mais e mais”, diz. Quando foi pra Dourados, em 2007, já tinha o diploma comprovando sua alfabetização e foi direto para a 4ª série, e pegou o gosto pra coisa.
“Fiz a 5ª, a 6ª e fui pro Eja (Educação de Jovens e Adultos). Quando vi já estava no terceiro ano”, completa. Ela tinha medo de fazer o Enem, um medo de “melhorar de vida”, mas enfrentou e se surpreendeu com o resultado: passou em duas universidades, a Federal e a Uems. “Não zerei nada na prova! Notei um desejo pessoal muito grande de conhecimento”.
“Optei pela Estadual e entrei pelas cotas para negros. Ganhei também a bolsa do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), era ela quem me mantinha, me vestia, me calçava, tirava dinheiro pra comida e pro xerox da bolsa”. A gratidão a Uems pra Gilvania é inveitável. “Eles me abraçaram como uma mãe! Os professores são excelentes, são pessoas humanas e amorosas! Eu só tenho a agradecer, agradecer especialmente a professora Ana Claudia Duarte Mendes, que foi minha orientadora e grande companheira”.
A faculdade lhe deu uma força inexplicável. A leitura de autores que carregavam referências da própria vida de Gilvania a ajudaram a se empoderar. Tanto é que o seu Trabalho de Conclusão do Curso foi a análise dos textos sobre abuso sexual de mulheres e crianças da escritora negra mineira Conceição Evaristo.
“Foi complicado, pensei muito no cotidiano das pessoas submetidas a esse tipo de violência. Mas valeu a pena viu. Seria bom se todas as escolas abordassem esse assunto porque ia ajudar muitas crianças. Optei por trazer textos em que Conceição supera o abuso, pra poder também analisar esse sentimento nas 30 páginas de TCC”, diz Gilvania.
A cerimônia de colação teve um gostinho especial. A mãe se formou ao lado do filho Guilherme, que também fez Uems, mas graduou-se em Química. “Foi ainda mais bonito”, completa.
Apta pra dar aulas de língua portuguesa, literatura e língua espanhola, Gilvania não quer parar por aqui não. Pretende se especializar em literatura e finalizar com a pós graduação completa: ir até o doutorado! “Incentivo todo mundo a estudar. Temos faculdades gratuitas no nosso país, são projetos incriveis. Eu encontrei todas as portas abertas e parece que ninguém quer nada com nada, entram em fevereiro no curso 30 pessoas, em junho só tem dez alunos, como isso?”, finaliza.
Campo Grande News