O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e a empresa 20/20 Serviços Médicos S/S se tornaram réus em pelo menos 12 processos envolvendo erros médicos após cirurgias de catarata, supostamente ocorridos durante a Caravana da Saúde, programa realizado a partir de 2016 como forma de zerar fila na rede pública. Pacientes pedem indenização por ficarem cegos ou perderem parcialmente a visão. Alguns alegam que, por este motivo, não conseguem mais voltar ao trabalho ou realizar tarefas simples do cotidiano.
Conforme já noticiado, o Estado foi condenado ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais a um aposentado morador no Conjunto Estrela Dalva, em Campo Grande. Consta nos autos do processo que no dia 14 de maio de 2016, à época com 68 anos, ele compareceu ao Pavilhão Albano Franco, onde estavam sendo realizados os atendimentos da caravana. Na ocasião, passou por uma cirurgia de catarata no olho direito, sendo que dois dias depois, retornou para operar o olho esquerdo. No entanto, alega que foi operado sem ter passado por qualquer exame pré-operatório e logo em seguida percebeu que a visão estava prejudicada.
No dia 18, voltou para uma reavaliação, mas teria sido informado pelo médico que com o passar do tempo, a visão melhoraria, o que não ocorreu. Dias depois, ao procurar consulta em médico particular, ficou constatado que havia perdido parte da visão de ambos os olhos, fato comprovado não apenas pelo especialista da rede privada, mas também por laudo pericial anexado ao processo. O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar o Estado e definiu a sentença em R$ 30 mil. No entanto, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) recorreu da decisão.
Há ainda outro caso idêntico em que o Estado foi condenado por erro médico e outro, ocorrido em Aquidauana, no qual o paciente não foi capaz de provar à Justiça os danos causados. Ele alegou que tinha diabetes e fez uma cirurgia no olho direito, no entanto, os médicos sequer fizeram qualquer exame pré-operatório. Dias depois, começou a se sentir mal e constatou que o quadro de diabetes havia se agravado. Porém, como não foi capaz de provar a relação entre a cirurgia da Caravana da Saúde e sua piora, o pedido foi negado, mas cabe recurso.
Não conseguia nem comer
Um campo-grandense morador no Residencial Búzios também acionou o Estado judicialmente por erro médico. Ele conta que era aposentado por invalidez desde 1989, por conta de um acidente de trabalho, mas levava a vida sem maiores obstáculos. Em 2018, após perceber problemas na visão, foi encaminhado pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para atendimento durante a Caravana da Saúde.
No dia 30 de junho daquele ano, ele compareceu ao Parque Ayrton Senna, no Aero Rancho, onde estavam as equipes médicas. No dia 1 de julho, foi operado no olho direito e no dia 5, no olho esquerdo. Porém, após os procedimentos, passou a sentir fortes dores nos olhos, como se tivesse um corpo estranho. Ele procurou a caravana novamente, foi submetido a uma limpeza a laser no olho e foi receitado a ele uso regular de colírio. Porém, as dores só pioraram, causando dificuldades para comer e dormir, em razão do imenso desconforto. Após buscar atendimento com outros médicos, constatou que havia perdido a visão do olho direito.
Neste sentido, pede R$ 100 mil em indenizações por danos morais e mais R$ 100 mil por danos estéticos. Em outro caso de erro médico, que tramita na 1ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos da Capital, um vendedor morador na Vila Marcos Roberto, também em 2018, foi submetido a uma cirurgia de catarata nos dois olhos que também não tiveram o resultado esperado. Por conta de erro no procedimento, ele acabou com edema macular cistóide e degeneração da mácula e pólo posterior dos dois olhos.
Ele afirma que após os procedimentos, passou a sentir muitas dores e, como não conseguiu solução para os problemas, procurou atendimento com outros profissionais da saúde. Ele pede indenização, tendo em vista que exerce a função de vendedor e necessita de boa visão para articular suas operações via computador e celular. Ele relatou ainda que, mesmo com os problemas, antes de fazer as operações, conseguia trabalhar e apenas busca melhorar a visão, agora, está com os olhos comprometidos e não consegue trabalhar. A Justiça determinou a realização de perícia para averiguar a gravidade do caso dele.
Pedido de pensão
Na 4ª Vara de Fazenda Pública consta outra ação movida por um morador do Zé Pereira. Em 2016, foi submetido a cirurgias pela Caravana da Saúde. O paciente afirmou que ainda enxergava com os dois olhos, mas tinha esperança de recuperar a visão. No entanto, dias após, começou a sentir desconforto e, mesmo seguindo todas as recomendações dos médicos, foi perdendo gradativamente a visão do olho direito. Exame confirmou que ele ficou cegodo olho direitoe perdeu 90% da visão por conta de erro no procedimento.
Ele pede R$ 100 mil em indenização por danos morais e mais pensão vitalícia no valor de 1 salário mínimo. Quem também pediu pensão é uma faxineira do Santa Emília. Entre maio e agosto de 2016, ela operou os dois olhos, porém, passou a sentir dores e inflamação em um deles. Após consulta, foi obrigada a usar lentes corretivas que antes não precisava, além de ficar com a vista extremamente sensível à luz. Ou seja, o que era para melhorar a visão dela, piorou ainda mais a situação. Para corrigir esse erro, ela teria que usar lentes com grau altíssimo, o que pioraria a qualidade de vida. Ela pede indenização na ordem de R$80 mil e mais pensão, já que não consegue mais trabalhar.
Cirurgia
A cirurgia de catarata consiste na quebra e aspiração do cristalino opaco utilizando-se um aparelho com ultrassom (Facoemulsificação). Após a retirada da catarata, implanta-se a lente intra-ocular dobrável através de uma microincisão (entre 2,4-2,8 mm) realizada na córnea. De acordo com os autos dos casos relatados, os problemas consistem em erro no implante da lente, o que ocasiona em problemas como nos casos citados acima.
A equipe de reportagem entrou em contato com o Governo do Estado e aguarda posicionamento, que não foi encaminhado até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Midiamax