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Cinco PMs estupram indígena com bebê por 9 meses na delegacia

Indígena dividia cela com presos homens; na parede, pintura do Salmo 91:10-11 sobre proteção divina: ‘Nenhum mal te sucederá… a seus anjos dará ordens para te guardarem.’ Imagem: Dacimar Carneiro

Uma indígena kokama de 29 anos denuncia ter sido estuprada por meses por policiais militares e um guarda municipal.

O crime ocorreu em Santo Antônio do Içá (AM), onde ela ficou presa por mais de nove meses em uma cela masculina.

Durante todo o período, ela amamentava seu filho recém-nascido, que permanecia com ela na mesma cela. ‘O que eu passei… Eu cometi um crime, mas eu estava sob a guarda deles… Mas o que fizeram comigo eu nunca vou esquecer’, disse ela à reportagem SUMAÚMA.

‘Eu acho que eles acabaram comigo, sabe? Hoje eu sei que nunca vai cicatrizar nada, nada vai trazer minha autoestima de novo, de mulher’, relatou a vítima.

A defesa dela está a cargo do advogado Dacimar de Souza Carneiro, que acompanhou a entrevista.

A detenção dela ocorreu em novembro de 2022, quando ela foi a uma delegacia registrar uma ocorrência de violência doméstica.

No local, policiais constataram um mandado de prisão em aberto contra ela por um homicídio de 2018, do qual ela se diz coagida a assumir a autoria.

Por não haver presídio feminino na cidade, ela foi encarcerada na delegacia local, junto a detentos homens.

O advogado da detenta documentou as condições precárias, registrando uma imagem que a mostra dormindo no chão da cela, ao lado dos outros presos (foto da capa).

Ela relata que os estupros começaram logo após sua detenção, iniciados por um sargento da PM que teria invadido a cela embriagado.

Segundo a vítima, o policial ordenou: ‘‘Você vai transar comigo, aqui é assim, você tem que colaborar’’.

Em seu depoimento, ela descreveu o ataque: ‘‘O sargento […] disse que eu deveria colaborar com eles, que eu estava sob a guarda deles e naquele momento eu teria que ceder’’.

‘‘Deitou do meu lado e começou a praticar vários atos comigo, e o meu bebezinho do lado. Eu, naquele momento, entrei em choque, em pânico’’.

‘‘Praticamente eu estava me recuperando do resguardo […], estava amamentando. Eu fiquei sem reação’’.

Posteriormente, a violência se tornou sistemática, envolvendo outros cinco policiais e um guarda civil.

Ela afirma que era obrigada a consumir bebida alcoólica com os agressores e a fazer serviços gerais na delegacia, como limpar banheiros e capinar o terreno.

As ameaças eram constantes, e os policiais diziam que só a tirariam ‘‘de dentro da cela quando já estivesse morta’’.

A vítima se refere aos agressores como ‘‘monstros’’ que fizeram ‘‘todo tipo de barbaridade que você possa imaginar’’.

O trauma é permanente, como ela desabafou em lágrimas: ‘‘Tenho tido vários tipos de crise. […] São cinco policiais, eu lembro de todos eles, todos os dias na minha cabeça’’.

‘‘Todos os dias, quando durmo e acordo, eu nunca vou esquecer o que fizeram comigo’’.

Alertas sobre sua saúde mental foram emitidos pela gestão da própria cadeia a partir de março de 2023.

Após sete meses, um juiz classificou a detenção como ‘inapropriada’ e solicitou sua transferência urgente.

Ela só foi levada para um presídio feminino em Manaus em agosto de 2023, sete dias após o último ataque relatado.

Ao chegar, ela denunciou os crimes e um exame do IML constatou fissura anal e hematomas compatíveis com a violência.

O laudo pericial respondeu ‘sim’ a três perguntas: se houve conjunção carnal, se houve violência e se a vítima não pôde oferecer resistência.

Em um depoimento detalhado à Defensoria Pública, a indígena relatou que buscar ajuda na delegacia contra violência doméstica, acabou encontrando ‘monstros’.

Após a denúncia, um exame no Instituto Médico Legal (IML) foi requisitado pela delegada responsável pelo caso.

O laudo identificou fissura no ânus e ‘equimoses arroxeadas no tórax (mama direita), abdômen e região cervical’.

A conclusão do perito foi inequívoca ao responder ‘sim’ a três perguntas-chave:

Se houve conjunção carnal ligada ao crime, se houve violência para a prática e se a vítima não pôde oferecer resistência.

Um dia depois do exame, a indígena detalhou as sequelas físicas à equipe de enfermagem da prisão.

‘Os policiais abusaram tanto pela frente como por trás. […] Relata que antes nunca teve essas coisas [dores]’, disse.

Ela informou que os abusos ocorreram de forma recorrente entre 11 de novembro de 2022 e 21 de agosto de 2023.

Dias depois, em novo relato às enfermeiras, ela descreveu seu estado debilitado.

Mencionou ‘astenia [fraqueza], tontura, falta de apetite, chorosa, perda de memória parcial’.

E expressou uma ‘sensação de medo, medo de não viver’, além de profunda ‘labilidade [instabilidade] emocional’.

A defesa da indígena ingressou com uma ação por danos morais contra o Estado do Amazonas.

Foi solicitada uma indenização de R$ 500 mil e o custeio de tratamento especializado para as sequelas.

O advogado argumentou que a vítima foi ‘reduzida à condição de escrava sexual por agentes estatais’.

Em resposta, a Procuradoria do Estado considerou o valor pedido ‘exorbitante’.

O governo propôs um primeiro acordo de R$ 35 mil, que foi recusado pela defesa.

A defesa fez uma contraproposta de R$ 350 mil.

O Estado, então, aumentou sua oferta final para R$ 50 mil.

O advogado da vítima classifica a proposta como ‘irrisória’ e insuficiente para o tratamento necessário.

A Procuradoria também não se manifestou sobre a apuração das denúncias contra os policiais.

Sem acordo, o processo de indenização segue na Justiça, aguardando uma decisão definitiva.

O atual delegado da cidade, que assumiu após os fatos, descreveu a unidade prisional na época como ‘uma masmorra’.

Ele confirmou a abertura de um Inquérito Policial Militar, mas não há informações sobre punição aos acusados.

A Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública não responderam aos questionamentos sobre o caso.

A indígena sofre com depressão e pensamentos suicidas e hoje luta por reparação. ‘Eu quero justiça porque acabou a minha integridade’, declarou. ‘Eu sinto que eu não vou ser mais normal’, concluiu.

O delegado que assumiu o cargo após a transferência da indígena, Ubiratan Farias, descreveu o que encontrou como ‘uma masmorra’.

Ele admitiu que antes havia um ‘estado de terror na unidade’, que era ‘deteriorada, com poucos equipamentos’.

Farias confirmou que um Inquérito Policial Militar foi aberto em outubro de 2023 para apurar o caso.

Apesar de uma reforma no prédio, um relatório de março de 2025 apontou que a superlotação crônica persiste.

O mesmo documento não mencionou como mulheres são detidas; uma servidora do MP relatou que, às vezes, elas dormem na cozinha.

Segundo o advogado da vítima, após a denúncia, juízes têm optado por colocar novas detentas em prisão domiciliar para evitar a coabitação.

Questionadas sobre a punição dos policiais acusados, a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública não responderam à reportagem.

O Ministério Público, que solicitou a investigação, também não detalhou os desdobramentos da apuração.

Ao final, a vítima expressou sua busca por responsabilização e o impacto permanente do trauma.

‘Eu quero justiça porque acabou a minha integridade’, declarou.

‘Eu sinto que eu não vou ser mais normal. Isso me abalou para sempre.’

‘Não tem nada que possa [me fazer] voltar [à normalidade], a não ser meus filhos’, concluiu.

CaarapoNews/MSNoticias

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