‘Kit anti-javali’ em MS: espécie pode afetar abastecimento de alimentos e atacar humanos ferozmente, alertam especialistas

Órgãos estão divulgando o kit e buscando novos manejadores, com a intenção de evitar um possível desabastecimento e ataques aos seres humanos

A presença destes animais no ambiente é avassaladora e, por mais bizarro que pareça, os javalis estão nos rankings de animais mais mortais do mundo. Para se ter uma ideia, 5.639 deles foram abatidos em Mato Grosso do Sul, no período de maio a outubro de 2024, conforme o Simaf (Sistema de Informação de Manejo de Fauna), sendo este um número irrisório perto da perpetuação e, por isso, a batalha para manejar a espécie, evitando um possível desabastecimento de alimentos e ataques aos seres humanos.

“É uma praga fora do controle, a qual precisamos entender que foi introduzida no país e não tem predador natural. As onças, por exemplo, não dão conta, o javali é muito rápido, corre muito. E, quando chega, detona todo o plantio, causa o terror, principalmente no Sul do Estado. E é justamente por isso que estamos buscando parcerias com associações e clubes de tiro, com a intenção de cadastrar manejadores para tentar fazer este controle”, afirmou ao Jornal Midiamax o presidente da Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal), Daniel Ingold.

Conforme o presidente, também produtor rural, existe uma linha tênue quando se fala em caçar este animal, já que, na realidade, trata-se de manejo. “O manejador, inclusive, precisa fazer um treinamento no Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e Iagro, já que, após o abate, ele é orientado a usar um kit que fornecemos, no qual ele nos fornece o sangue deste animal, propagador de muitas doenças. E com isso estará nos ajudando a fazer este controle. Aqui fazemos o teste de PSC – Peste Suína Clássica, doença altamente transmissível e que o javali acaba sendo o vetor”, explicou.

‘Kit anti-javali’ está sendo distribuído pela Iagro

Em busca recorrente de informações sobre o assunto, o presidente também diz que, na Europa, a situação está “fora do controle”. “Existem casos de ataques a pessoas, casos que estão crescendo. É um animal agressivo que pode chegar nas cidades, como ocorreu lá. Esta questão de desabastecimento já está relacionada na cadeia dos alimentos, propriamente dita, mas, estamos mesmo ouvindo muitas reclamações dos produtores, por isso a divulgação do cadastramento e o treinamento junto ao Iagro. Queremos aumentar o número de manejadores”, disse Ingold.

O empresário e produtor rural Rodrigo Souza, de 45 anos, acredita que a questão do javali, em Mato Grosso do Sul, está sem controle há, pelo menos, uma década.

“Não é só em uma região, mas, de todo o Estado realmente. O grande problema, além de espantar a fauna silvestre onde fica, é o fato dele acabar com as nascentes de água. Nestas ondas de calor, principalmente, o bicho deve sentir muito calor, e vai para as minas d’água e, em seguida, para a lavoura, destruindo tudo”, comentou.

Rodrigo teve prejuízo por conta da invasão dos javalis em sua plantação de milho (Arquivo Pessoal)

Prejuízo no milho: ‘Tive que colocar choque na cerca’

Desta forma, conforme Souza, desde a lavoura de subsistência até a do grande produtor, todos são afetados. “Isso é comum e não tem controle, a não ser a caça, o manejo, e a onça, que é predador, não consegue acabar com ele. E junto a isto ainda tem o fato do bicho dar mais de duas crias por ano, ou seja, o único caminho é a caça legalizada, autorizada pelo fazendeiro. Se não for assim, não resolve, infelizmente, não tem outro caminho. Não adianta a gente falar que isso se resolve com o manejo, é um animal complicado”, opinou.

Com experiência no campo, o produtor também fala sobre possíveis acidentes envolvendo o ser humano. “Pode ocorrer ataques, não é só a destruição da lavoura, de nascentes, além de matar bezerros. Sei de vários casos. Infelizmente, é algo que está fora do controle e não é da noite para o dia que vai resolver, tem que ter esta consciência. Só que o pequeno produtor é o mais afetado, porque a escala de produção é menor. Se o javali atacar meio hectare de mandioca, por exemplo, em questão de duas ou três noites, acaba todo o mandiocal. Eu, há algum tempo, perdi um hectare inteiro e gastei R$ 3 mil para colocar choque na cerca”, lamentou.

Ibama de MS possui cadastro de mais de 15 mil manejadores

A superintendente do Ibama, Joanice Lube Battilani, fala que o Estado tem 15.776 manejadores, todos com o cadastro técnico federal junto ao Órgão. “Podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Eles seguem as normas e, inclusive, apresentam relatórios. Como já foi falado, é uma espécie exótica que foi introduzida e perdeu o controle, podendo causar sérios problemas ambientais e fitossanitários, por isso a importância do manejo correto”, argumentou.

Javalis abatidos em MS (Arquivo Pessoal)

Produtor rural em Coxim, a 258 km de Campo Grande, Geverson Dierings, de 43 anos, é manejador de javalis, presidente da Associação Paiaguás Manejo e Conservação e ainda participa de pesquisas sobre o javali desde 2017. Nesta última terça-feira (4), inclusive, foram 19 animais abatidos por ele, em um momento que o município demonstra muita preocupação, com a colheita da soja no final deste mês, seguida da safra do milho prevista para maio e junho.

“O javali é o animal puro e o javaporco é o animal cruzado com outro porco doméstico. E temos todos aqui, tanto o caseiro como o de chiqueiro, que é criado solto, vulgo ‘porco monteiro’, aqui na região. Antes aqui, culturamente, se criava porcos soltos, porém, com a chegada do javali, esses híbridos ficaram mais fortes, arredios e isso dificultou o manejo, tornando-os feras que foram para as lavouras/matas/nascentes. Aliás, quando adulto, são agressivos. Temos casos de ataques registrados aqui e, justamente por isso, é costume sair com cães na lida do campo”, disse.

‘Espécie é agressiva por natureza’, argumenta presidente

De acordo com Dierings, os porcos, em geral, atacam quando se sentem ameaçados, no entanto, esta espécie é agressiva por natureza e pode atacar a qualquer momento. “Na região norte, principalmente em Coxim e Pedro gomes, temos uma situação diferente do sul do Estado. Aqui estamos vivendo um incremento de alimento, devido a abertura das pastagens para o plantio de grãos. Mais comida, mais animais. O javaporco se reproduz muito rápido, praticamente duas a três crias ao ano, fazendo com que uma porca produza até 30 descendentes. Já tivemos casos de porca com 14 leitões em uma ninhada, o que faz os números de javalis crescerem”, ressaltou.

Fazendo uma análise mais profunda, o presidente ressalta que, a cada dez porcas que deixam de ser abatidas, resultam em cerca de 300 animais a mais. “E, com a falta de chuvas dos últimos anos, foi necessário incrementar a alimentação dos animais em pasto com ração, aumentando a prática de confinamento dos animais. Desta forma, os porcos aprenderam a comer nos cochos dos bois, causando, além de prejuízos econômicos para o pecuarista, o contato direto e diário com estes animais”, disse.

Abate de animais feito nesta última semana, em Coxim (Geverson Dierings/Arquivo Pessoal)

Este aliás, foi o caso de Geverson. Mesmo experiente no campo, disse que já sofreu ataques de javalis. “Uma vez foi quando fui recolher um animal. Ano passado também, sofri um ataque quando buscava outro animal no pasto alto. No período noturno, também cheguei perto de uma porta e outra me atacou. Acabei caindo, mas, depois consegui abatê-la. É por isso que sempre usamos arma de backup. Calibre forte para emergências. 44 magnum ou 45”, explicou.

Por fim, o produtor rural avalia que o manejo é “extremamente necessário”. “É um combate, pois, a erradicação é impossível. Por se tratar de um tema polêmico, pauta de direita e esquerda, é usado como moeda de troca pelos políticos. A atual legislação prevê o manejo e a caça através da lei 5.197, de 1967, porém, essa lei não é respeitada pelos órgãos competentes, na minha opinião. Nosso estado é essencialmente agrícola, que vive a mercê de legislação federal para tratar um tema que pode impactar significativamente na economia. O manejo do javali, por exemplo, foi liberado pelo medo de uma oeste suína travar as exportações do Estado. E são doenças que o javali pode carregar. O estado do ms deve, assim como SP por exemplo já fez. Aprovar uma lei estadual, garantindo a necessidade e realização do manejo em seu território, a fim de resguardar sua economia”, finalizou. Midiamax

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