A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o World Mosquito Program (WMP) anunciaram nesta quinta-feira uma nova parceria para a expansão do método Wolbachia no Brasil com a construção de uma biofábrica capaz de produzir até 100 milhões de mosquitos por semana, 5 bilhões ao ano. Esses Aedes aegypti são criados com a bactéria wolbachia, microrganismo que diminui a capacidade de esses vetores transmitirem dengue, zika e chikungunya e, assim, combater a disseminação das doenças.
— O Ministério da Saúde está comprometido de implantarmos (o Wolbachia) no menor tempo possível e no maior número de municípios. A gente espera que, ao final de 4 anos, nós possamos ter pelo menos uns 70% dos municípios que enfrentam hoje a maior carga da doença cobertos com essa nova tecnologia — afirmou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), Ethel Maciel, durante o evento de lançamento da parceria em Brasília.
Para a construção da biofábrica, será feito um investimento de R$ 100 milhões com recursos do WMP e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná. O local de construção da biofábrica ainda será definido, mas a previsão é de que ela entre em operação até o início de 2024.
Além disso, o projeto receberá um aporte de R$ 50 milhões do WMP e de R$ 30 milhões do Ministério da Saúde, por meio da própria Fiocruz, para ampliação imediata do método em outros estados e municípios. Hoje, o método está presente em apenas cinco cidades brasileiras.
— Nós temos um mapeamento prévio desses municípios e durante essa semana vamos continuar a discussão com os pesquisadores que participam do projeto para refinar essas escolhas — disse Alda Maria da Cruz, diretora do Departamento de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.
O que é o método Wolbachia?
A wolbachia é uma bactéria presente em cerca de metade dos insetos, mas que não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti. No entanto, quando inserida nos mosquitos, ela impede que os vírus da dengue, do zika e da chikungunya se desenvolvam dentro deles. Com isso, reduz a possibilidade de eles disseminarem esses patógenos na população, diminuindo consequentemente os casos das doenças na região em que circulam.
O chamado método Wolbachia envolve justamente a criação e liberação desses Aedes aegypti com a bactéria nas cidades. Com o tempo, eles se reproduzem e, aos poucos, a população da espécie naquele local passe a ser apenas dos mosquitos que carregam a bactéria.
O Brasil é um dos países chave em que a técnica é estudada devido à alta incidência das três arboviroses. No país, a estratégia é implementada por meio da Fiocruz com financiamento principalmente do Ministério da Saúde e de governos locais.
Até então, desde 2012, o programa alcançou as cidades fluminenses do Rio de Janeiro e de Niterói, além de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Petrolina, em Pernambuco. A tecnologia também já foi introduzida em outros 11 países, na Ásia, Oceania e Américas, alcançando quase 11 milhões de pessoas até o momento – 3 milhões delas brasileiras.
— É uma experiência inovadora que acho que vai ganhar uma escala muito rápida para todo o território nacional que hoje sofre mazelas por conta da disseminação do mosquito e das arboviroses — disse o presidente da Fiocruz, Mário Moreira, no evento.
Os resultados da implementação da tecnologia têm sido animadores. Um estudo recente, publicado na revista científica New England Journal of Medicine, avaliou a incidência da dengue dois anos após a liberação dos mosquitos na Indonésia e constatou uma redução de 77% nos casos da doença, e de 86% nas hospitalizações.
Em Niterói, de acordo com números do WMP, houve redução de cerca de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de Zika nas áreas onde houve a intervenção entomológica. Com isso, as estimativas é que cada real gasto na técnica gere uma economia que vai de R$ 43 a R$ 549, de acordo com um estudo independente realizado nas cidades do Brasil.
Dengue em alta no Brasil
A ampliação dos esforços contra a dengue é importante especialmente no contexto de alta das arboviroses que o Brasil vive. Em 2022, pela primeira vez o país bateu a marca de mil óbitos por dengue em 12 meses, e registrou o ano mais letal da doença na história. Além disso, foram 1,45 milhão de casos da doença, número 162,5% maior que o total de contaminações de 2021.
Neste ano, segundo o Centro de Operações de Emergência em Saúde para arboviroses, instituído recentemente pelo Ministério da Saúde devido ao avanço alarmante dos vírus no país, a tendência segue de alta: já foram 485 mil casos identificados até o dia 29 de março – um crescimento de 44% em comparação com o mesmo período do ano passado.
Além do Wolbachia, outra técnica que pode em breve ser incorporada no combate à dengue é a vacina. A Anvisa liberou neste ano uma uma nova aplicação para prevenir a doença, desenvolvida pela farmacêutica japonesa Takeda, que é o primeiro imunizante destinado a pessoas que nunca tiveram o diagnóstico.
Ela é aplicada em duas doses e indicada a pessoas entre 4 e 60 anos. O esquema protege contra os quatro sorotipos do vírus e, nos testes clínicos, demonstrou uma eficácia geral de 80,2% para evitar infecções, e 95% para casos graves e óbitos. O novo imunizante, porém, depende da incorporação pelo Ministério da Saúde ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) para chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Essa é a segunda vacina a receber um aval no Brasil. A outra, chamada Dengvaxia e desenvolvida pela Sanofi, já está disponível, porém apenas em clínicas privadas. Além disso, é indicada somente para evitar reinfecções, que costumam ser mais graves, e para um público-alvo restrito — pessoas de 9 a 45 anos que já foram contaminadas anteriormente. Por isso, não é a principal estratégia de combate ao vírus.
Por Bernardo Yoneshigue — O Globo