Conheça a história por trás de ruas que levam nomes de mulheres em Caxias do Sul

Porthus Junior / Agencia RBS

Graciema Formolo é uma das ruas que cruza o bairro Sagrada Família. A jovem morreu em uma explosão, enquanto trabalhava, em 1943

Inúmeros são os exemplos de situações em que as mulheres tiveram que conquistar seu espaço no Brasil: seja pela conquista do voto, em 1932; pela regulamentação do futebol feminino em 1983 (de 1941 a 1979, a prática era proibida, por lei, às mulheres) ou pela possibilidade de ingresso na vida acadêmica no fim do século anterior. Com a nomenclatura de ruas, não é diferente. A baixa representatividade até em homenagens em espaços públicos pode dizer muito a respeito da valorização da figura feminina ao longo da história.

Um levantamento feito pela reportagem, a partir do site da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, mostra que num período de 10 anos, entre 2011 e 2020, apenas cerca de 21,5% das ruas nomeadas no município receberam denominações femininas. Os dados colhidos, embora mostrem uma evolução, vão ao encontro de uma pesquisa feita pela mestre em Linguística Aplicada e doutora em Educação, Vitalina Maria Frosi. Em uma análise das 3.664 ruas e praças da cidade, em 2008, a pesquisadora observou que somente 12,91%, ou seja 473, eram batizadas com nomes de mulheres. O trabalho foi apresentado há alguns anos na Itália.

Mas a análise de Vitalina vai além de números e porcentagens. Ela pôde, por meio de uma amostra de cerca de 40 perfis, observar características comuns entre as mulheres homenageadas:

— Além dos nomes, o que muito nos interessou foram as justificativas que o vereador apresentava para que o nome de uma pessoa fosse dado à rua. A justificativa que era dada, num modo geral, na amostra que analisamos, espelhava as condições da mulher na época da colonização e até nos últimos anos. Além de serem incansáveis no trabalho cotidiano, eram boas mães, esposas fiéis, ajudavam o marido, cuidavam dos filhos, ensinando o catolicismo, muito trabalhadoras e solidárias com o próximo. Estes atributos se refletiram nas justificativas que eram apresentadas para a rua merecer o nome daquela mulher — explica a pesquisadora.

Se as homenagens às mulheres evidenciavam, basicamente, à entrega ao trabalho doméstico e familiar, a pesquisa também observou que a maioria dos locais escolhidos para receberem as placas com nomes femininos não estava na área central de Caxias:

— Até aquela data, a maioria era de ruas periféricas, não eram ruas importantes, onde circulava muita gente. Enfim, o homem cuidava dos negócios, do que aparecia (para a sociedade). A mulher cuidava do que ficava no anonimato, uma função que começa de manhã, acaba tarde da noite e que não acaba nunca — aponta a pesquisadora.

No Rio, equidade de gêneros em placas de rua é garantida por lei municipal

Embora para muitos placas de ruas signifiquem apenas uma forma de encontrar o endereço desejado na correria cotidiana, os identificadores de espaços públicos carregam memórias, ajudam a traçar a história e a caracterizar as relações presentes em uma cidade.

Na cidade do Rio de Janeiro, uma lei municipal de 1999 tenta equilibrar a diferença histórica na nomeação de ruas. A legislação determina que é obrigatória “a alternância de gênero, em igual proporção, de nomes de personalidades masculinas e femininas, na denominação oficial de logradouros públicos”.

A presidenta da Câmara de Vereadores de Caxias, Denise Pessôa, enxerga a lei carioca como uma boa provocação ao Poder Legislativo local, embora aponte que, diante do número de vereadores, possa haver dificuldade em promover a equidade de gêneros na denominação de espaços públicos.

— As mulheres são invisibilizadas na história, o esforço é naturalizado, o trabalho é desvalorizado. Acaba que não se tem o reconhecimento devido. É bem importante que se passe a lembrar da história das mulheres que ajudaram a construir Caxias do Sul. Acho que é necessário fazer a reflexão e pensar alternativas — avalia Denise.

Abaixo, acompanhe o resgate histórico de algumas ruas que homenageiam mulheres em Caxias do Sul.

Uma homenagem às vítimas da explosão de 1943

Graciema Formolo, que hoje dá nome a uma rua do bairro Sagrada Família, faz parte de um triste episódio que marcou a história caxiense na década de 1940. Aos 15 anos, em 22 de julho de 1943, ela foi uma das vítimas da explosão na antiga metalúrgica Gazola.

Filha de Montrose e Maria Formolo, Graciema trabalhava na metalúrgica ao lado da irmã Aurora, que se salvou do incidente. Segundo uma reportagem do jornalista Rodrigo Lopes, publicada em 2018, elas tinham como funções encher cartuchos de pólvora, manusear granadas e espoletas, entre outras coisas.

Na matéria especial do jornalista, Geny Formolo, outra irmã de Graciema, recordou que a jovem gostava muito de passear no centro e nos arredores da Praça Dante Alighieri, embora a rigidez do pai limitasse os passeios das moças. Graciema foi sepultada no cemitério de Lourdes no dia seguinte à explosão.

Rodrigo Lopes / Especial
Geny Formolo com a fotografia da irmã Graciema, que morreu em 1943, em um registro de 2018Rodrigo Lopes / Especial

Conforme registros do Memorial Gazola, desde 1960, Graciema, Irma Zago, Tereza Morais, Olívia Gomes, Julia Gomes e Maria Bohn, vítimas da explosão, têm suas histórias eternizadas no bairro Sagrada Família, a alguns metros da fábrica onde perderam a vida.

Odila Gubert, sobrevivente da tragédia, morreu aos 80 anos, em 2003. Ela também nomeia uma rua caxiense. Anoema da Costa Lima, operária ferida na explosão, que teve sua história resgatada somente em 2018 na reportagem especial de Rodrigo Lopes, foi homenageada em 2020, com uma rua no bairro São Giácomo.

Rua Angelina Michielon: uma mulher sensível às causas sociais

Diariamente, centenas de veículos acessam a Rua Angelina Michielon para se deslocar ao Centro ou circular pelo bairro de Lourdes. Mas e quem foi Angelina Michielon? Resgates do Arquivo Municipal João Spadari Adami mostram que foi uma mulher que se envolveu fortemente com causas sociais, principalmente, às relacionadas com crianças em vulnerabilidade.

Acervo do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. / Divulgação
Acervo do Arquivo Histórico mostra a lembrança de 30° dia de falecimento de Angelina MichielonAcervo do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. / Divulgação

Conforme os registros do Arquivo, a partir do livro Nossas Mulheres… que ajudaram a construir Caxias do Sul, Angelina era natural de Garibaldi, filha de Luiz  Michielon e Luiza Pierbon Michielon, que era parteira. Após a morte de Luiz, a família se mudou para Caxias e Angelina desejou entrar para o convento, contudo, não foi aceita.

Assim, Angelina buscou ajudar os mais necessitados por conta própria. Em uma casa, na Rua Os dezoito do Forte, segundo o material do Arquivo Histórico, Angelina, com a ajuda de outras mulheres, criou um abrigo para crianças órfãs. Anos depois, diante do crescimento no número de acolhimentos, um orfanato foi fundado e a administração ficou por conta das Irmãs da Congregação do Imaculado Coração de Maria.

Angelina faleceu aos 40 anos, em 1930, de pneumonia.

Rua Professora Iró Nabinger Chiaradia, reconhecimento à segunda vereadora eleita em Caxias

A professora Iró Nabinger Chiaradia carrega em sua história uma importante face da representatividade feminina na política caxiense. Segunda vereadora eleita no município, pelo antigo partido Arena, entre 1973 e 1976, ela foi homenageada, 30 anos depois, com uma rua em seu nome no bairro Nossa Senhora da Saúde. Iró faleceu aos 81 anos em 1999.

Acervo da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul / Divulgação
Iró Nabinger Chiaradia se elegeu vereadora de Caxias pelo antigo partido ArenaAcervo da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul / Divulgação

— A professora Iró Nabinger tem uma marca muito forte na nossa cidade como uma educadora que lutou profundamente para termos conquistas na educação escolar na rede pública estadual, em especial. Ela assumiu a vereança, não como uma forma de ter mais poder, mas como uma forma de ter mais conquistas para o trabalho educativo — destaca a  ex-deputada e ex-vice-prefeita de Caxias Marisa Virginia Formolo Dalla Vecchia, cuja tese de doutorado trata sobre as 11 mulheres eleitas a cargos públicos, a partir de Caxias do Sul, entre 1960 e 2014.

Natural de Montenegro, Iró mudou-se ainda criança para Caxias. Segundo a pesquisa de Marisa Formolo, foram 38 anos de dedicação ao magistério, com atuação em escolas tradicionais da cidade, como o Santa Catarina e o Henrique Emílio Meyer.

Poesias que se cruzam um século depois

Porthus Junior / Agencia RBS
Intervenções artísticas tomaram conta dos postes da Rua Irma Valiera em dezembro do ano passadoPorthus Junior / Agencia RBS

A caxiense Irma Valiera teve a sua vida interrompida aos 47 anos no fatídico desastre aéreo que ocorreu em 28 de julho de 1950, no Morro do Chapéu, entre Gravataí e Sapucaia do Sul. Segundo registros do livro Ruas de Caxias do Sul – Biografias e Histórias, de Avelino Alves Mendes, das 51 vítimas, quatro eram de Caxias.

A publicação de Mendes ainda ressalta que Irma era uma fiel torcedora do Juventude, estando sempre envolvida em vendas de produtos e rifas do time. Em uma das suas demonstrações de amor pela equipe, o livro conta que, em 1920, durante uma comemoração da torcida, a jovem recitou poesias em homenagem a um título conquistado, entregando flores para a delegação.

— Ela era uma pessoa a parte, podemos dizer que era inovadora. Foi a primeira professora de datilografia de Caxias. Ela faleceu quando foi assistir à Copa do Mundo de 1950 — explica Mendes, que pesquisou, durante 15 anos, mais de 100 perfis, sendo 11 deles femininos, para a sua obra.

Por coincidência ou não, pouco mais de um século depois, a via que leva o nome de Irma Valiera, no bairro São Pelegrino, abriga o projeto Poesia de Rua, uma iniciativa do Vivacidade com o rapper Chiquinho Divilas e financiado pelo Ministério Público de Caxias do Sul. A ação teve o pontapé inicial em dezembro do ano passado.

Mais do que colorir postes e muros com poesias e desenhos, o projeto visa conectar os moradores dos bairros Euzébio Beltrão de Queiróz e São Pelegrino, promovendo mais sensação de segurança a pedestres e motoristas e ocupando, de fato, a Rua Irma Valiera.

— Foi uma surpresa para nós, porque o projeto nasceu com a rua e só depois fomos buscar a história. Quando lemos (sobre Irma ter recitado poesia à equipe do Juventude), sentimos que nada acontece por acaso. Foi uma sinergia muito feliz — avalia a coordenadora executiva do projeto Poesia de Rua, Madeline Juber.

Se Irma carregava consigo o apreço pelos versos, certamente ficaria feliz com os próximos passos do projeto. Além das pinturas nos postes, que foram feitas a partir de rimas das crianças do projeto Ampliando Horizontes, agora a iniciativa quer colorir muros da via. Para isso, busca moradores interessados em ceder o espaço, ou, a “tela em branco” aos artistas.

— Temos os artistas, a tinta, a verba, só precisamos da tela, que é o muro — reforça Madeline.

Moradores ou proprietários de imóveis da Rua Irma Valiera interessados em receber as intervenções artísticas podem contatar as redes sociais do projeto Vivacidade, no Instagram, ou pelo e-mail contato@somosvivacidade.com.br.

PioneiroGeral

Compartilhe:
Posted in Noticias and tagged .