‘A guerra não tem rosto de mulher, mas todo dia é uma luta’

Será que a data de hoje é, realmente, um momento para comemorar ou para refletir, informar e transformar?

A guerra não tem rosto de mulher. A frase é título de um dos livros da Nobel de Literatura (2015) Svetlana Aleksiévitch. A obra me vem à mente neste 8 de março de 2022, mais conhecido como o Dia Internacional da Mulher, como o livro que mais representa os tempos atuais. Escrito em 1983 pela jornalista ucraniana, o texto traz relatos de mulheres que lutaram no Exército Vermelho (russo) contra as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Carregado de emoções, dores, traumas e lembranças, “A guerra não tem rosto de mulher” traz um olhar inédito sobre um dos episódios mais obscuros da história da humanidade. O que mais me assusta, no entanto, é perceber que ele serve muito bem como um retrato de um novo capítulo que teve suas primeiras páginas iniciadas há cerca de quinze dias: a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Todo mês de março eu paro para fazer essa reflexão: qual mensagem eu gostaria de trazer para a pauta de uma data tão simbólica para nós, mulheres?

Neste ano, resolvi falar sobre a vulnerabilidade das mulheres em tempos de guerra, visto os últimos acontecimentos entre Rússia e Ucrânia. Fui pesquisar e tentar entender um pouco sobre esse contexto de gênero em guerras civis.

Infelizmente, nós mulheres sempre estamos no lado mais fraco de qualquer tipo de crise. O impacto é real e, mais que isso, os traumas são para sempre.

A guerra nas mulheres

Com muitas lutas e vitórias ao longo dos séculos, conquistamos nosso direito de ocupar o lugar que quisermos. Inclusive o front de batalha. Lutamos nas tropas gregas desde o século IV a.C. Nos combates do século XX, somávamos 225 mil soldados às tropas inglesas, 500 mil nas americanas e alemãs, e mais de 1 milhão ao exército russo. Não paramos por nada.

Mas é fato que ainda há um caminho enorme para percorrer, principalmente quando atos e episódios machistas são corriqueiros em tantas esferas da sociedade. E na guerra não seria diferente.

Além de abusos, assédios e da submissão nos campos de batalhas, a guerra atinge também as mulheres que não estão no front. Mães, irmãs, esposas e filhas sofrem ao ver seus homens partindo para uma viagem obscura e não desejada. A elas resta o medo, a insegurança e a incerteza sobre o futuro. Desde o início do combate entre Rússia e Ucrânia, a ONU já contabilizou mais de 1 milhão de refugiados, a grande maioria formada por mulheres e crianças.

Mulheres refugiadas

Pesquisadores da Universidade Santa Cruz do Sul desenvolveram o estudo sobre “Gênero, migração e vulnerabilidade: corpos de mulheres em deslocamento”, no qual concluíram que ser mulher em migração produz um quadro de dupla exclusão. No processo, elas perdem seus pertences, seus bens e suas famílias, mas os fatores de vulnerabilidade acompanham o deslocamento de seus corpos.

Em uma carta aberta ao deputado Arthur do Val — que disse frases sexistas sobre ucranianas em busca do refúgio –, o jornalista Jamil Chade ressaltou:

“Ao longo da história, a violência sexual é uma das armas de guerra mais recorrentes para desmoralizar uma sociedade. Ela não tem religião nem raça. Ela destrói. Demonstra o poder sobre o destino não apenas das vidas mas também dos corpos e almas. […] O que isso significa em tempos de guerra, quando a lei e a moral são suspensas?”.

A leitura desse artigo foi visceral, li e chorei. Chorei em silêncio, no conforto de minha casa, ao lado da minha família. Senti um aperto no peito e uma clareza ainda maior do tamanho do meu privilégio.

Me questionei quando a dor do outro se tornou tão invisível para a humanidade? Mais que invisível, desenvolvemos um dom de não sentir a dor que está longe de nós.

Meu filho de cinco anos se aproximou, me olhou e sem entender questionou o por quê eu chorava. Eu comecei a tentar explicar o inexplicável.

Uma sensação de impotência e indignação. Respirei e de novo comecei a pensar onde estava o meu papel em tudo isso. E lembrei que pequenas atitudes são capazes de transformar diariamente. Todos nós temos essa responsabilidade. Isso não está longe, basta ampliarmos o nosso olhar e começar a agir.

Transformar para comemorar

Refletindo sobre as histórias, sejam elas as já registradas nas páginas dos livros, ou as que estão sendo escritas neste exato minuto, aqui, no Leste Europeu, no Haiti, na África, no Afeganistão e em tantos outros lugares do mundo, acredito que neste 8 de março ainda não temos muito o que comemorar. Nossas conquistas são inúmeras e importantíssimas, mas estão longe de serem suficientes.

Podemos não ser maioria segurando metralhadoras nos campos de batalha, pilotando aviões, disparando mísseis, mas desde que o mundo é mundo lutamos a nossa guerra, uma guerra em que não pedimos para entrar, uma guerra sem tréguas. Porque a guerra pode não ter rosto de mulher, mas lutamos todos os dias para que em algum momento possamos deixar as cicatrizes no passado e apenas celebrar.

Como comemorar o dia de hoje? Não sei.

Eu sei que todos nós podemos e devemos fazer algo. Equidade de gênero começa com respeito.

Se você chegou até aqui, você representa para mim não a última, mas, sim, um começo de esperança.

*Carolina Cavenaghi é cofundadora e CEO da Fin4she, uma plataforma que conecta e impulsiona negócios e pessoas através da diversidade. É responsável por liderar e implementar projetos que promovem o protagonismo e a independência financeira feminina, buscando ampliar e fortalecer a presença de mulheres no mercado de trabalho. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil e do Young Women Summit, eventos que já reuniram milhares de pessoas. Foi executiva da Franklin Templeton por mais de dez anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. Atualmente mora em Teresina, no Piauí, é mãe do Tom e do Martin e, através da Fin4she, tem a missão de transformar a forma como o mercado e as pessoas se conectam com a equidade de gênero.

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