Pedro Doido vivia perambulando pelas ruas de Cassilândia e sempre viveu presente no meu imaginário. Pedro Doido, assim conhecido aquele senhor que portava deficiência mental, sempre viveu e vive até hoje no imaginário de milhares de conterrâneos cassilandenses, às vezes com o seu cajado, a sua ira devido à provocação dos meninos de rua e de famílias insuspeitas da sociedade.
Eu sempre convivi pacificamente com Pedro Doido. Ao contrário de muitos outros meninos, nunca joguei pedra nele nem recebi qualquer pedrada, nunca corri atrás dele para xingá-lo de “doido” nem ele correu atrás de mim, e, assim, portanto, nunca tivemos problemas.
Certa feita o meu sobrinho e irmão de criação Carlos mexeu com Pedro Doido e foi castigado pela mãe, segundo informações que chegam da própria família, tendo que comer um resto de pão sujo que teria atirado nele ou coisa assim.
O castigo foi simples e justo: bateu, levou. Ou melhor, comeu.
Com Pedro Doido nunca mexi nem nunca provoquei qualquer rebuliço, como já disse. Mas já aprontei das minhas, claro.
Ali na rua Amin José havia uma casa, quase na esquina da rua do bazar de Zé Tomaz, que abrigava em sua frente um belo e quase sempre carregado pé de cajá-manga. Morava naquela casa à época um rapaz que também era pessoa portadora de deficiência mental. E a casa ficava justamente no caminho da escola. Menino, fruta alheia… já viu no que dá.
Eu estava quase sempre por lá, subindo no muro, trepando no pé de cajá-manga e sempre descendo com algumas frutas. Dizem que fruta roubada é mais saborosa. Eu não tinha a mínima dúvida disso.
O rapaz, que era filho da dona da casa, segundo se comentava, ficava irritadíssimo e saía correndo atrás de mim e dos demais moleques. Era um corre-corre danado. Ele não era muito bom nas corridas e às vezes atirava paus e pedras, mas nenhuma nunca me acertou.
Mas, voltando a Pedro Doido, lembro-me de uma foto dele tirada por Dalmo Curcio, em que, talvez se sentindo ameaçado pela câmera fotográfica, estava em estado de cólera.
Pedro Doido representava um risco para os provocantes moleques quando estava ali perambulando pela Praça São José por causa daquelas pedras quadradinhas e pesadas que se soltavam do calçamento.
Uma vez eu tive um desentendimento com um menino chamado Fabrinho, que me atirou uma. Ainda bem que passou raspando. Se tivesse me acertado, certamente que até hoje carregaria a cicatriz.
Por isso, sempre que via o Pedro Doido ali na Praça São José, eu me afastava. Aquelas pedras, nas mãos erradas, representavam um verdadeiro arsenal. Eu nem sabia o que era arsenal, mas tinha medo de Pedro Doido e daquelas pedras, e, sobretudo, dos dois juntos.
Preferia ver Pedro Doido de longe com o seu cajado de madeira. Éramos dois seres humanos convivendo em sociedade – ele lá e eu cá.
Hoje fico a imaginar aonde foi parar Pedro Doido, se está vivo ou se já faleceu, se ainda está jogando pedras em seus carrascos ou se já está descansando em paz.
Passados mais de trinta anos que me distanciam da infância, Pedro Doido ainda permanece vivo, célere, com o seu cajado numa das mãos e com uma pedra na outra, preparando a pontaria para acertar algum menino malcriado que o insultara.
Pedro Doido não morrerá nunca na memória dos meninos e das meninas cassilandenses da minha época. Ele sempre estará lá, sendo provocado, jogando pedras, com o seu inseparável cajado.
Corino Rodrigues de Alvarenga