A Federação Mundial de Hemofilia e a Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia descartam a possibilidade de falta de remédios para o tratamento de distúrbios hemorrágicos nesse período de pandemia. Alguns pacientes, no entanto, preocupam-se com isso, principalmente por causa da queda do número de doadores de sangue em países afetados pelo novo coronavírus.
Especialistas garantem que a doação de sangue é uma operação segura, sem risco de contágio. Mesmo assim, muitos doadores deixaram de comparecer aos hemocentros e aos serviços de hemoterapia por medo da covid-19. No Brasil, a situação levou o Ministério da Saúde a pedir à população que continue com as doações para garantir os estoques necessários à produção de hemoderivados e o atendimento às pessoas que precisam de transfusões.
O tratamento da hemofilia é feito principalmente com a reposição do chamado fator de coagulação. Ou seja, da reposição da proteína que a doença genética impede, ou limita, o organismo do paciente de produzir naturalmente. No caso de quem tem hemofilia A, o fator de coagulação ausente ou reduzido é o VIII(8). Já para quem tem a hemofilia B, é o IX(9). Sem essas proteínas, um hemofílico que se corte pode morrer, pois seu corpo tem dificuldade para estancar o sangramento.
Embora possam ser produzidos por meio de técnicas de engenharia genética (os chamados produtos anti-hemorrágicos recombinantes), os concentrados de fatores de coagulação são mais comumente obtidos a partir do plasma coletado de doadores de sangue. Os médicos também podem prescrever outros medicamentos anti-hemorrágicos, conforme o caso.
Em nota divulgada no fim do mês de março, que continua servindo de orientação em meio à pandemia do novo coronavírus, a Federação Mundial de Hemofilia afirma que “seria prudente [os pacientes] terem algumas doses adicionais [de remédios] para uso doméstico, em caso de atrasos na entrega dos produtos”. A federação alerta, porém, que o volume armazenado pelas pessoas não deve ultrapassar o “razoavelmente necessário”, pois “não há motivo para temer escassez dos produtos de tratamento, problemas na produção ou interrupção da cadeia de suprimentos”.
No Brasil, onde existem cerca de 13 mil pessoas cadastradas com hemofilias dos tipos A e B, e o tratamento é realizado quase exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde solicitou aos centros de tratamento hematológicos que distribuam aos portadores de hemofilia e outras doenças hemorrágicas hereditárias medicamento suficiente para dois meses de uso. O volume é considerado “razoavelmente necessário” para fazer frente às eventualidades.
“A quantidade de produtos dispensada deverá levar em conta a gravidade da doença, assim como a modalidade do esquema de tratamento, conforme as recomendações vigentes do Ministério da Saúde”, prescreve a nota técnica que a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados divulgou em 18 de março.
No texto, a coordenação destaca que a recomendação atende “à orientação de isolamento social e à necessidade de reduzir a circulação de pessoas” e ressalta que os gestores locais precisam levar em conta o uso racional dos produtos e a necessária prestação de contas. “Isso é para evitar que os pacientes se desloquem e não precisem voltar com frequência aos hemocentros, já que está todo mundo fazendo o isolamento social”, disse a presidente da Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia (Abraphem), Mariana Battazza Freire, à Agência Brasil.
“Um suprimento pessoal para dois meses atende a um tempo razoavelmente bom. E não há, até aqui, nenhuma perspectiva de que faltem medicamentos a curto ou médio prazos”, reforçou Mariana.
As duas entidades também destacam a importância da doação de sangue, necessária para ajudar a salvar vidas não só de pessoas com hemofilia, mas também de portadores de outras doenças e dos que enfrentam situações graves. “Doar sangue e plasma continua sendo um processo seguro, e o apoio dos doadores é essencial para que sejam mantidos suprimentos adequados durante essa pandemia”, ressalta a federação, ao lembrar que os serviços de hemoterapia seguem diretrizes de saúde para proteger tanto aos doadores, quanto seus funcionários.
Mariana disse que este é um aspecto que preocupa, porque a doação de sangue caiu muito no mundo todo, e a Covid-19 trouxe uma demanda extra por plasma, ainda que a indústria garanta que não há risco de falta, ao menos por enquanto. “Os hemocentros estão superpreparados para receber os doadores com toda segurança necessária.”
Eliminação do vírus
A nota da Federação Mundial de Hemofilia também destaca que pesquisas indicam que, na maioria dos casos, os procedimentos usados para tratar o sangue doado são suficientes para destruir vírus como o Sars-CoV-2, causador da covid-19, eliminando a possibilidade de que quem vier a receber os hemoderivados contraia o novo coronavírus ou outras doenças virais.
O risco, segundo a entidade, seria para pacientes que recebem tratamento com produtos sanguíneos que não passaram por inativação viral. De acordo com Mariana, este não é o caso do Brasil. “No país, além de passar por uma triagem, todo sangue doado é submetido a pelo menos dois diferentes processos de inativação que eliminam os vírus e tornam o produto final muito seguro. Após todo este processo, mesmo que um doador de sangue tenha o coronavírus, não há risco de transmissão após todo este processo”, assegura a presidente da Abraphem.
Outra preocupação da federação mundial é com o risco de as pessoas com hemofilia e outras doenças hemorrágicas se exporem ao risco de contrair o coronavírus. A exemplo de outras autoridades mundiais em saúde, a entidade recomenda que, se possível, as pessoas optem pelo isolamento, permanecendo o máximo de tempo em casa. E que, quando precisarem sair às ruas, mantenham o necessário distanciamento social.
A federação também recomenda o adiamento de cirurgias não emergenciais previamente agendadas e que as pessoas com distúrbios de coagulação só procurem hospitais ou clínicas médicas em caso de extrema necessidade. Em caso de internação, qualquer que seja o motivo, o hospital deve ser imediatamente informado da condição do paciente, que precisa inclusive mencionar os remédios que toma, pois alguns podem ocasionar erros na interpretação de exames laboratoriais.
De acordo com Mariana, tais recomendações já vêm sendo observadas, tanto que uma das mudanças na rotina das pessoas com hemofilia foi o adiamento de consultas periódicas. “Dependendo da idade e do tipo de tratamento, os pacientes consultam [o médico] anualmente, ou a cada seis meses. Como isso não é uma urgência, algumas consultas estão sendo adiadas e as pessoas, orientadas a só procurar os centros de tratamento somente em casos de emergência”, acrecentou.
Agência Brasil