Passados poucos dias do 8 de março, quando comemora-se o Dia Internacional da Mulher, Mato Grosso do Sul noticiou a morte de três mulheres – uma em Corumbá, outra em Caarapó e outra em Alcinópolis – vítimas do mesmo crime: feminicídio.
O Mato Grosso do Sul é um dos estados em que a mulher mais morre por questões de gênero. O ano mal começou e oito mulheres já foram assassinadas por seus companheiros ou ex-companheiros no Estado, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública.
Segundo o Ministério Público Estadual, no ano passado foram 30 feminicídios cometidos em Mato Grosso do Sul e 47 tentativas. Mais de seis mulheres foram vítimas de crime por motivos de gênero por mês, no Estado.
Em Três Lagoas, quatro mulheres foram vítimas de feminicídio no ano passado – três foram assassinadas e uma sofreu tentativa. Os três assassinos cometeram suicídio.
Em 2017 Três Lagoas registrou uma média mais de 2 vezes maior de crimes de gênero que o restante do Estado.
Segundo dados do Monitor da Violência, uma mulher é morta a cada duas horas no país. Em Três Lagoas, 607 mulheres pediram medida protetiva desde 2018 e mais de 1.200 boletins de ocorrência de violência doméstica foram lavrados no ano passado.
Em todo o Brasil, houve um aumento no número de registros de feminicídio, ou seja, de casos em que mulheres foram mortas em crimes de ódio motivados pela condição de gênero. Foram 1.135 no ano passado, ante 1.047 em 2017.
E O QUE É FEMINICÍDIO
O feminicídio é um agravante do homicídio. Tipificado desde março de 2015 no Código Penal, o Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro.
“As pessoas precisam entender que o feminicídio não é simplesmente um homicídio. Se a mulher é assassinada durante um assalto, é latrocínio. Se é vítima de bala perdida, é homicídio, mas se é morta por questão de gênero, não é crime passional nem apenas uma questão textual: o nome do crime é feminicídio”, explica a advogada Rozana de Oliveira Gomes Bernardes.
O feminicídio ocorre quando uma mulher é morta pelo fato de ser mulher. Ele é comprovado caso haja antecedente de violência doméstica e familiar ou se o crime for motivado por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Se provado que, antes de matar, o sujeito humilha, espanca, xinga ou estupra, fica evidente que o crime foi motivado pelo gênero da vítima.
A importância de separar os crimes de gênero de outros é para que se trabalhem políticas públicas específicas para cada caso. “A gente só enfrenta o que conhece e só pode prevenir do jeito certo as problemáticas quando temos o mínimo de domínio sobre os elementos que as compõem. A partir dos dados poderemos pautar o aprimoramento das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, e empoderar umas às outras pela vida de todas nós”, afirma dra. Rozana.
Na questão da pena, enquanto um homicídio simples tem pena de 6 a 20anos, para o qualificado, que é onde entra o feminicídio, a punição é de 12 a 30 anos de prisão.
“Às vezes a mulher se acostuma tanto a ser ofendida, xingada, que nem percebe que essa é uma agressão, uma violência. Se ele te impede de estudar ou trabalhar já é por si só uma violência, porque está privando a esposa de procurar algo melhor”
— Dra. Rozana de Oliveira Gomes Bernardes
ENTENDENDO OS SINAIS
A agressão continuada contra mulheres não acontece apenas nas periferias. Mulheres com alto nível de escolaridade, como médicas, advogadas, delegadas e até juízas também são vítimas de agressões de seus parceiros.
E engana-se quem pensa que a agressão é apenas física. Ela vem também na forma psicológica, quando o homem humilha a mulher, xinga, desmerece. “Às vezes a mulher se acostuma tanto a ser ofendida, xingada, que nem percebe que essa é uma agressão, uma violência”, diz dra. Rozana.
Outro tipo de agressão é a social, quando o homem começa a isolar a mulher do convívio de parentes e amigos. A partir dessa, vem outra violência: por impedir a mulher de estudar ou trabalhar fora, ele a submete à dependência financeira, quando ela simplesmente não pode sair de casa porque depende do dinheiro dele para sobreviver.
Além disso, há a agressão sexual, quando o companheiro obriga a mulher ao sexo, mesmo contra a vontade dela.
“A mulher precisa ter os meios para não depender do homem. Se ele te impede de estudar ou trabalhar já é por si só uma violência, porque está privando a esposa de procurar algo melhor”, diz a advogada.
“É preciso estar muito atenta aos primeiros sinais: ciúme excessivo, isolar a mulher do convívio social, pedir a senha do email, das redes sociais, ficar perseguindo a pessoa na internet. Esse tipo de comportamento tende a acabar muito mal para as mulheres”, adverte Dra. Rozana.
“É necessário quebrar o ciclo. Não adianta a mulher achar que ela tomou um tapa hoje e amanhã ele vai melhorar, porque q ele vai pedir perdão, dar presentes. A característica do agressor é essa: ele bate hoje, amanhã ele beija, enche de presente, de carinho. Depois, passam uns dias, e a agressão vem pior. E vira o ciclo vicioso, a mulher fica procurando onde errou, tem a sensação de culpa. Existe histórico de mulher que apanhou por 10 anos antes de tomar a atitude de romper e denunciar”, afirma a advogada.
EM BRIGA DE MARIDO E MULHER SE METE A COLHER, SIM!
O primeiro passo para se proteger e proteger alguma mulher que você conheça é a denúncia. Caso veja seja agredida ou veja alguma mulher ser agredida, denuncie. Pode ser de forma anônima. Caso haja possibilidade, registre o boletim de ocorrência. “Só conseguimos entender o tamanho do problema quando os números são registrados e entram para as estatísticas”, explica a advogada.
A grande dificildade, nesse caso, é que, geralmente, a mulher agredida tem medo de denunciar. “Ela pensa ‘se eu denunciar, o pai dos meus filhos vai ser preso. Como eu vou dizer isso pros meus filhos? Ele vai ficar mais enfurecido ainda e vai me matar'”, conta a advogada.
ROMPENDO O CICLO
O número de denúncias aumentou consideravelmente desde que as campanhas de divulgação começaram. Ainda assim, não são a grande parte dos casos que ocorrem. “Muitas pessoas não denunciam. Quando você vê, a mulher foi assassinada, vítima do feminicídio. Aí o judiciário vai procurar e a pessoa nunca fez um boletim de ocorrência, talvez por falta de apoio da família, medo do agressor”, diz dra. Rozana.
Além disso, muitas mulheres acabam voltando para a casa do agressor, mesmo após fazer a denúncia. E por quê isso acontece? A dependência financeira explica em parte esse ciclo vicioso. “No primeiro momento ela cria forças, encontra um apoio e se separa. Sai com os filhos, mas se vê sem ajuda da família e da sociedade e ela precisa voltar para aquele lar de violência, ofensas, para garantir o sustento dos seus filhos”, afirma a advogada.
Ainda assim, aumentou muito o número de casos que chegam ao conhecimento da polícia e do judiciário. E isso acontece pelo exemplo. De acordo com dra. Rosana, as mulheres criam coragem quando veem alguém, que passa pela mesma situação, fazendo a denúncia. As campanhas de divulgação são essenciais.
“A ideia é conscientizar que a mulher não é propriedade do homem. Somos seres dotados de vontades e temos direitos de fazer nossas escolhas. A maioria dos feminicídios ocorre porque o parceiro não aceitou o rompimento. É o sentimento machista de posse”, diz a advogada.
E os números corroboram a opinião de dra. Rozana. Dos 12 feminicídios registrados nos últimos quatro anos em Três Lagoas, em apenas dois deles o crime não foi cometido pelo companheiro ou ex-companheiro.
APOIO À VÍTIMA
Hoje as delegacias especializadas contam com serviço de assistência social, psicólogo e até um local onde a vítima possa se refugiar.
O acompanhamento profissional é importante para que a mulher entenda que ela não precisa passar por um relacionamento abusivo e que ela precisa ser respeitada como ser humano.
A partir do momento em que a mulher faz a denúncia na delegacia da mulher ela é encaminhada para serviços de apoio como o CRAS. Perfil News