Na madrugada de 31 de dezembro de 2016, dois veículos cruzaram-se na avenida Ernesto Geisel, centro de Campo Grande (MS). Em um deles estava o policial rodoviário federal Ricardo Hyiun Su Moon, que teria sido fechado em um cruzamento por uma caminhonete dirigida pelo empresário Adriano Correia do Nascimento, acompanhado de 2 pessoas. De uma questão de trânsito, a cena transformou-se em uma tragédia que mudou a vida de duas famílias.
De acordo com a investigação, após a fechada que quase resultou em um acidente, Ricardo parou seu carro em frente à caminhonete e desceu. Ele alega que Adriano estava embriagado e que o fez com o intuito de pará-lo. Ali começou uma discussão. Segundo a acusação, Adriano queria ir embora com os outros 2 ocupantes do carro. A defesa diz que Ricardo não queria permitir porque o motorista estava alterado e não tinha condições de dirigir.
Em depoimento, o acusado disse que disparou porque a caminhonete teria avançado sobre ele. Agnaldo Spinosa da Silva, de 51 anos, que estava no banco da frente, disse que o veículo teria avançado sobre o policial quando Adriano foi atingido e perdeu o controle.
A caminhonete, que tinha câmbio automático, bateu em um poste a alguns metros do local.
“Tudo que eu fiz, a abordagem, tudo, foi de acordo com a lei. Eu estava tentando impedir um homem embriagado de causar uma acidente e tirar a vida de outra pessoa.”
O advogado de Moon, Rene Siufi, alega legítima defesa. Ele afirma que após a discussão, Adriano teria acelerado com a caminhonete quando o PRF posicionou-se um pouco à frente do veículo para anotar a placa. Neste momento, Moon disse ter dado 2 passos para trás e atirado “por instinto”, atingindo Adriano.
Segundo Siufi, o PRF ligou para a Polícia Militar pedindo reforços e comunicando que estava no local com um motorista embriagado. A gravação desta ligação é uma das provas que constam nos autos.
Para o promotor do Ministério Público, José Arturo Bobadilla Garcia, que encaminhou o relatório para a Justiça, a tese de legítima defesa não se aplica ao caso. Para o MP, trata-se de homicídio qualificado com recurso que dificultou a defesa da vítima, e duas tentativas do mesmo crime.
“O fato de ter descarregado sua arma matando uma pessoa e ferindo outras 2, no trânsito, mostra que em hipótese alguma ele estaria agindo em legítima defesa. Um policial treinado, para defender-se, poderia ter atirado no pneu, na lataria, para o alto, e não no motorista”, explica o promotor.
Para o MP, o movimento que Adriano teria feito com a caminhonete e o policial interpretou como uma investida contra si, seria a manobra necessária para tirar o veículo de trás do carro de Moon. No relatório entregue à justiça consta ainda que o acusado teria posicionado-se de forma a “impedir que as vítimas se desvencilhasem dos disparos”.
“Ele tem o direito de mentir”
A defesa alega que Moon relatou ter visto o rapaz que estava no banco de trás do carro, abaixar-se para pegar alguma coisa no chão. Quando levantou, ele teria nas mãos um objeto escuro, que o PRF disse pensar tratar-se de uma arma ou algo semelhante.
Adriano era proprietário de um restaurante de comida japonesa. O Ministério público acusou o PRF de fraude processual por ter colocado flambadores no veículo da vítima após a perícia. O advogado de Moon diz que caminhonete ficou parada em um pátio por 3 dias, e que diversas pessoas tiveram acesso ao veículo, inclusive a família da vítima. Foi solicitada perícia no celular dos dois peritos que examinaram o carro, mas nada foi encontrado.
Álcool, drogas e ansiolítico
Um laudo necroscópico foi juntado ao processo em fevereiro de 2017 apontando que Adriano teria feito uso de ecstasy e álcool, e tomava um ansiolítico que não poderia ser misturado com bebida.
“Juntamos um vídeo em que a vítima e o menino, o menor, começaram a beber 20h30 e terminaram de manhã. Isso prova que Moon estava tentando realmente parar um motorista que oferecia risco no trânsito”, declara o advogado Rene Siufi.
“Se eu quisesse simplesmente matá-lo, não teria ligado para a PM pedindo que viessem contê-lo” declara Moon.
O promotor do Ministério Público, diz não haver dúvidas de que trata-se de homicídio doloso (quando há intenção de matar).
“Ele alega que antes da cena houve uma discussão de trânsito, e neste caso, até acredito que os ânimos estivessem exaltados, mas ele cometeu um homicídio com dolo e de uma maneira que impossibilitou a defesa das vítimas”, declara Bobadilla.
Moon foi preso em flagrante no dia do crime, solto no dia seguinte, e chegou a ter prisão preventiva decretada, ficando em uma cela no Grupo Armado de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros (GARRAS), por quase um mês. Hoje aguarda juri popular em liberdade, com medidas cautelares.
“Eu não sou um monstro desequilibrado”
Para Moon, houve um “pré-julgamento” na ocasião do crime. Na época, ele preferiu não se manifestar sobre o caso.
Para o Ministério Público, a comoção popular faria diferença no julgamento do PRF:
O Ministério Público defendeu a pronúncia de Moon para júri popular. De acordo com o promotor, “O processo ainda não ‘desceu’ do Tribunal, até o momento não se tem uma definição se ele vai ser julgado ou absolvido em virtude das teses da defesa”.
O processo está no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul desde o dia 18 de outubro de 2017. A última atualização no sistema do TJ foi feita às 14h21 minutos dessa data: “Remetidos os Autos para o Tribunal de Justiça”. Segundo Rene Siufi, que defende Moon, há um pedido feito ao Supremo Tribunal Federal para decidir se o crime será julgado pela justiça comum ou federal.
“Não saí de casa para matar ninguém”
Ricardo vive em regime de restrição de horário, só pode sair de casa das 6h até 22h. Foi proibido de portar arma de fogo e cumpre suas funções no setor administratio da PRF.
“Minha família foi destruída, estou em processo de separação porque ninguém aguenta a minha rotina. Não posso sair de casa, não tenho vida social, não pude sequer acompanhar minha namorada no hospital até meia-noite, ou pegar ficha na UPA (Unidade de de Pronto Atendimento) de madrugada para consultar um dentista”, relata.
“Sempre estudei para progredir, e de repente, isso tudo acabou, não serviu para nada. Você acha que eu colocaria uma vida de dedicação, tudo isso fora por uma briga de trânsito? Um acesso de raiva qualquer? Minha vida foi destruída.”
Moon declara que, mesmo que seja absolvido, seu nome sempre estará vinculado ao crime:
Hoje ele faz acompanhamento psicológico, mas não toma medicação. Moon não vê a família desde o incidente, e não tem planos para isso.
“Meu pai me ajudou a conquistar tudo isso e eu tive que pedir a ele para fingir que não me conhecia para não ser linchado nas redes sociais. Todas as pessoas que me defenderam foram massacradas.”