No Chile, greve de caminhões durou 26 dias – e derrubou o governo

Greves de caminhoneiros são notórias em outros países, como na França, por justamente ameaçar toda a cadeia de distribuição de um país. No Brasil, onde quase 80% dos serviços de transporte de carga utilizados são rodoviários, o exemplo chileno merece ser lembrado.

Em outubro de 1972, os caminhoneiros paralisaram o país pela primeira vez, protestando contra a criação de uma autoridade nacional de transporte, e ativando o gatilho do que seria uma crise trabalhista no país. Estimativas do governo apontam que aquela paralisação inicial custou ao país 200 milhões de dólares na época. Hoje, esse valor seria de mais de 1,2 bilhão de dólares. O governo de Allende resolveu a situação sentando para conversar com os caminhoneiros no final de outubro, mas já era tarde.

Salvador Allende, então presidente de um governo de esquerda, havia sido eleito em 1970 com uma plataforma de nacionalização de serviços, como o sistema de saúde, e da indústria mineral, além de propor a redistribuição de terras. Um ano depois, em agosto de 1973, 40.000 caminhoneiros voltariam a paralisar o país, ao lado de outros 210.000 donos de pequenos negócios e empresários.

A instabilidade e a crise econômica levariam o governo de Allende a ser deposto pelo exército e pela força nacional em 11 de setembro de 1973, numa tomada de poder que incluiria o bombardeio do palácio presidencial de La Moneda e o suicídio de Allende, em um dos episódios mais sangrentos da democracia chilena.

Em agosto de 1973, nos momentos derradeiros do governo, a paralisação dos caminhoneiros foi tão catastrófica para a economia que o ministério do Planejamento Nacional emitiu um comunicado sobre as consequências econômicas da paralisação. “A agricultura está seriamente ameaça, a indústria desacelerou e o suprimento de commodities atingiu um ponto crítico”, afirmava o relatório, depois de 23 dias da segunda greve de caminhoneiros.

“Esta é uma greve política, com o objetivo de derrubar o governo com a ajuda do imperialismo”, afirmou Gonzalo Martner, então ministro da pasta. A segunda paralisação foi mais intensa porque o Chile ainda não havia sequer se recuperado integralmente da que havia acontecido um ano antes.

O governo de Allende chegou ao ponto de destacar 500 policiais e três tanques rumo a um galpão onde estavam cerca de mil caminhões para tentar apreender os veículos e forçar os caminhoneiros a retornar ao trabalho. Nesta sexta-feira, o presidente Michel Temer convocou o uso das forças de segurança para desobstruir estradas em todo o país. “Vamos implantar o plano de segurança para superar os graves efeitos do desabastecimento causado por essa paralisação, comunico que acionei as forças federais de segurança para desbloquear as estradas e estou solicitando ao governadores que façam o mesmo”, afirmou o presidente. Até o momento, não há nenhuma certeza sobre a efetividade do novo penultimato do governo.

Se por aqui há dúvidas sobre quem está por trás das movimentações, no Chile não foi diferente. A força que impulsionou a greve só começou a ficar clara muito tempo depois. Um ano depois do golpe que custou o cargo a Allende, foi revelado nos Estados Unidos que a maior parte de um pacote de 8 milhões de dólares (48 milhões em valores atuais), enviados ao Chile pelos americanos, havia sido usada para subsidiar as greves trabalhistas que comprometeram o governo chileno.

Em depoimento ao Congresso americano, o então secretário de Estado do governo Richard Nixon confirmou o pacote de investimentos, mas afirmou que o foco era manter vivos “partidos políticos e veículos de imprensa ameaçados pelo governo de Allende” e não subverter o governo. Midiamax

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