Juiz dá decisão em forma de versos sobre disputa de sanfona entre músicos

Em Senhor do Bonfim, município no Norte da Bahia, dois músicos locais, Renato Ianovich, conhecido como Cigano, e Nivaldo Amaro de Araújo, o Nivaldo do Acordeon, disputavam na Justiça a posse de uma sanfona. Tudo começou quando Renato Cigano foi à polícia alegando que a sanfona em posse de Nivaldo do Acordeon era dele, e tinha sido roubada há três anos.

Na última sexta-feira, o juiz Teomar Almeida de Oliveira deu sua decisão sobre o caso e surpreendeu a todos. Não pelo resultado em si – a sanfona deveria ficar com Nivaldo, que apresentou uma nota da compra efetuada há dois anos -, mas pelo formato. A sentença foi dada em forma de versos, e citou a canção “Sanfona do Povo”, de Luiz Gonzaga.

“Como filho de agricultores, saído da roça aos 14 anos para morar na cidade de Nova Olinda, sertão da Paraíba, vi na contenda dessa sanfona uma retrospectiva de vida humilde que poderia ser repassada em versos, na personificação do instrumento musical, às partes e à sociedade”, disse o magistrado ao G1.

Abaixo, os versos da sentença, que também conta detalhes da disputa:

No embalo da emoção
Sanfoneiros pedem aquela sanfona velha
Que um dia já foi bela
Hoje ela é castigada, afastada da canção
Condenada a viver gelada
No banheiro da prisão

E o sanfoneiro engaiolado
Sem a voz, os dedos e o pulmão
Distante da sanfona velha
Seu maior bem de estimação
Espera que o Juiz diga qual o querelado
Que levará a sanfona do povo junto ao seu coração

Não há mais tempo de espera
Para uma decisão que preste
O povo está desolado
Por ver o maior símbolo do Nordeste
Que despontou numa tapera
Como um pássaro engaiolado

Das cantigas do sertão, xote, xaxado e baião
Passou à relíquia sem documento
De disputa encarecida, cobiçada no momento
Que chega a envergonhar o nosso Rei Gonzagão
Quando disse outro dia que o jumento é nosso irmão

Pobre sanfona do povo
Pagando o que não deve
Como qualquer prisioneiro
Presa por ser a rainha do Nordeste e do Sertão
Não pode mais permanecer
Como adorno de banheiro de masmorra da prisão

Não sei quem é o proprietário
Mas, o possuidor do melhor documento (fls. 62)
É presumido o signatário
Dono daquele instrumento
Ficando com o direito
De recebê-la no peito como fiel depositário

Não decido por decidir
Mas, por a lei me permitir (art. 120, § 4º, CPP)
Colocar em suas mãos
Que outrora foi tirada, do povo e dos cidadãos
Sem piedade e compaixão
Aquela sanfona velha que imortalizou Gonzagão

Nilvado o direito é seu, como fiel depositário
Visto o seu opositor não ter provado o contrário
Até que se finde a contenda
Delegado me atenda
Como da outra vez foi buscar
A bela sanfona do povo, vá agora entregar

E para finalizar
Hei por bem declarar
Que fui competente para buscar
Sou também para entregar.

G1

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