Dona de brechó, costureira e doméstica, Aparecida acorda às 4h e dorme só às 22h

Mãe de 4 filhos e dona do próprio negócio, ela conta que foi graças ao ofício de empregada doméstica que realizou sonhos. (Foto: Thailla Torres)
Mãe de 4 filhos e dona do próprio negócio, ela conta que foi graças ao ofício de empregada doméstica que realizou sonhos. (Foto: Thailla Torres)

Aparecida dos Santos Galto acorda cedo, pega ônibus e vai para o primeiro ofício do dia. Depois de trabalhar como empregada doméstica, ela volta para casa e abre as portas do próprio comércio. Continua o trabalho com esforço que parece correr contra o tempo para dar conta do recado. Mas a surpresa é que ela se diz orgulhosa das profissões que encara e acabou virando um exemplo para os filhos.

Ela tem 60 anos e é dona de um brechó, costureira e há 25 anos trabalha como emprega doméstica na mesma família. A chance de ter outra profissão surgiu há três anos quando ela decidiu ser uma empresária, mesmo assim, não teve coragem de deixar o ofício que começou cedo.

“Foi o trabalho de empregada que me fez mudar de vida e dar um mundo melhor para os meu filhos”, justifica. A relação de confiança entre patrão e empregado que se transformou em amizade também contribuiu para tanto tempo no mesmo lugar, mas os direitos atendidos também pesaram na decisão porque sabe que para algumas mulheres que vivem a mesma realidade, salário mínimo e carteira assinada ainda são uma realidade distante.

Hoje ela é dona do próprio negócio, um brechó no Dom Antônio Barbosa. (Foto: Thailla Torres)
Hoje ela é dona do próprio negócio, um brechó no Dom Antônio Barbosa. (Foto: Thailla Torres)

Aparecida lembra que teve um infância difícil, morava no sítio e foi impedida pelo pai de estudar. “Ele achava que mulher não tinha que fazer essas coisas. Lá onde eu morava tinha duas meninas que iam de bicicleta até a escola, percorriam quilômetros junto com os meninos e meu pai achava que as mocinhas iam se engraçar com eles no caminho”. A mudança veio com o casamento, aos 18 anos.

Vivendo em Campo Grande e mãe de quatro filhos, foi preciso garantir o sustento das crianças. No começo, Aparecida era diarista porque não queria deixá-los sozinhos. Quando eles cresceram, passou a ser mensalista. “Fui trabalhar perto do Shopping Campo Grande, ele tinha recém inaugurado e fiquei 1 ano na mesma casa. Quando eu sai, encontrei a família do seu Roberto”.

Roberto é o patrão que ela tem até hoje. O mesmo já casou duas vezes, mudou de casa, superou crises, mas nunca pensou em abrir mão de Aparecida. “Quando ele se separou da primeira vez, eu até pensei que ele fosse me dispensar, mas não. Depois veio a segunda esposa, a separação e eu continuo lá”.

Trabalhar no mesmo lugar durante anos tem suas vantagens, como adivinhar o que a patrão vai pedir e adiantar o serviço, garante Aparecida. “Eu já sei tudo que ele gosta e quando chega o serviço está feito. E sempre que ele me pede algo, procuro fazer da melhor maneira”.

E no meio do serviço não pode faltar o 'cafézinho'. (Foto: Thailla Torres) E no meio do serviço não pode faltar o ‘cafézinho’. (Foto: Thailla Torres)

Aparecida elenca alguns requisitos para durar tanto tempo no mesmo serviço. “Primeira coisa é ser comprometida. Eu não de faltar serviço, só quando estou muito doente. Tem pessoas que não vão ao serviço porque está chovendo, eu sei que é difícil, mas a gente tem que trabalhar”.

Paralelo a isso, ela afirma que o patrão tem papel fundamental na valorização do empregado. “Tem que haver respeito. Não é porque sou empregada que vou ser tratada mal e isso ainda acontece em muitas casas. Comigo sempre foi diferente, meu patrão me respeita, gosta do meu trabalho e me trata bem”.

A relação de confiança foi tanta que Aparecida e Roberto se tornaram amigos. “Hoje ele conversa comigo sobre vários assuntos, tem confiança no meu trabalho e a gente se dá muito bem. Mas isso foi com o tempo e com respeito dos dois lados”.

Tudo isso faz com que ela acorde às 4h da manhã e só para de trabalhar às 19h. “Faço meu café, me arrumo e vou pro serviço satisfeita”. Na casa é responsável pela limpeza, comida e roupas passadas. Às 15h ela termina o serviço e corre para brechó. Trabalho que acrescenta no um salário mínimo e meio que ganha como doméstica.

“Esse brechó eu comecei há três anos. Aqui era uma lojinha da minha filha, mas ela parou de trabalhar para cuidar do filho. Um dia resolvi comprar uma roupas pela internet e vender aqui”. No brechó há roupas, sapatos, vestidos de festa e acessórios. As peças custam de R$ 5,00 a R$ 30,00.

Orgulhosa, ela diz que não pensa em mudar a rotina. “Vou trabalhar em dois lugares enquanto eu aguentar. Foi assim que criei meus filhos. Se vale a pena? Muito, porque o que eu ganho não me deixa rica, mas deixa eu pagar as contas do mês para dormir tranquila. Não devo ninguém”. Campo Grande News

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