Estudos ligam uso inadequado de redes sociais a depressão entre adolescentes

A barriga dói na expectativa da primeira curtida. E, se alguém com menos seguidores consegue “bombar” nas redes sociais, logo vem a sensação de fracasso como um aperto no peito Parece ficção científica, mas é de verdade: a vida digital descontrolada tem causado efeitos no bem-estar de adolescentes e jovens. Enquanto eles começam a descobrir as emoções a que são expostos na internet, cientistas de todo o mundo estão atrás de evidências para entender como e por que estar nas redes sociais pode alterar o equilíbrio mental de quem já cresceu conectado.

“O Instagram era vinculado diretamente a minha autoestima, imagem e valor. Se não recebia muitos likes, começava a questionar o que fiz de errado”, diz a influenciadora digital Daniela Zogaib do Nascimento, de 25 anos. O Photoshop turbinava as fotos para os 78 mil seguidores, mas nunca era suficiente. “Estamos todos nos comparando e nos sentindo mal porque tem sempre alguém acima que nos gera incômodo”, diz ela, que evitava até encontros presenciais com medo de frustrar quem a conhecia só pelas telas. Acuada, resolveu reagir: apareceu sem maquiagem ou filtros e relatou em um vídeo a pressão virtual. “Quando você está nessa teia, não consegue pensar como pessoa normal.”

Para especialistas, a multiplicação de imagens que sugerem vidas perfeitas, como as que Daniela acessava, pode tirar o sossego de adolescentes e jovens. “Acreditamos que o tempo de tela em que há comparação social, como fotos de colegas exibindo corpos perfeitos, tem correlação com sintomas de depressão na adolescência”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo Elroy Boers, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Montreal, no Canadá. Boers é autor de estudo publicado neste mês no periódico Jama Pediatrics, que relacionou aumento de tempo nas redes sociais e na televisão a sintomas de depressão.

Durante quatro anos, 3,8 mil jovens de 12 a 16 anos preencheram questionários sobre o tempo em que permaneciam em frente a diferentes tipos de telas e sintomas de depressão. De acordo com Boers, além do fenômeno de comparação, outra hipótese é a de que algoritmos das redes (que permitem que conteúdos semelhantes aos já acessados sejam entregues aos usuários) podem reforçar quadros depressivos. O estudo não identificou elo entre videogames e depressão.

A pesquisa canadense se soma a outras que dão pistas sobre essa relação. No início do ano, estudo publicado na revista Lancet deu número aos riscos. Com base em dados de 10 mil adolescentes de 14 anos, o levantamento revelou que, entre os que passam mais de cinco horas por dia nas redes sociais, o porcentual de sintomas de depressão cresce 50% para meninas e 35% para meninos Mesmo entre os que passam três horas há elevação de sintomas, de 26% para elas e 21% para eles.

Especialistas têm se preocupado com os dados, mas são cautelosos ao buscar relações de causa e efeito. Sabe-se que a depressão depende de muitos fatores e, portanto, atribuir o distúrbio apenas à rede social seria reduzi-lo. “Há fatores predisponentes, como famílias desestruturadas, histórico, baixa autoestima. Mas, na medida em que jovens entram na rede social, isso puxaria o gatilho da predisposição. É um novo palco para manifestação dos problemas”, diz Cristiano Nabuco, do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

Medidas

Em meio a uma maior preocupação sobre saúde mental em tempos de internet, o Instagram anunciou neste mês o fim da contagem de curtida em fotos e visualizações de vídeos. A iniciativa é um teste no Brasil. “Não queremos que as pessoas sintam que estão em uma competição”, informou. Um levantamento de 2017 da Sociedade Real para Saúde Pública (RSPH), do Reino Unido, reconheceu a rede como a pior para a saúde mental de jovens.

Depois de perceber que estava em uma “paranoia” no Instagram, o estudante Maurício Oliveira, de 20 anos, suspendeu o acesso por um tempo. Antes, buscou até “compra de likes” para melhorar a performance. “Costumava publicar em horários com pico de acesso e, quando mais novo, cheguei a apagar quando via que não teve engajamento. Gerava a ansiedade.”

Testes como o do Instagram também estão no horizonte de outras empresas. Em sua plataforma de experiências lançada neste ano, o Twitter estuda recurso de esconder botões de likes e retuítes. O controle do tempo gasto nas plataformas já é possível por meio de ferramentas no Facebook e Instagram.

Contra o bullying, outro fator para desequilíbrio emocional dos jovens, o Instagram anunciou, ainda, recurso de alerta de ofensas. No Brasil, as agressões virtuais ganharam contornos trágicos há duas semanas, quando a influenciadora Alinne Araújo, de 24 anos, suicidou-se depois que o noivo terminou o relacionamento, na véspera do casamento. Ao publicar a decisão de casar-se consigo mesma em uma de suas contas, usada justamente para relatar a luta contra a depressão, Alinne recebeu uma chuva de críticas.

Para Rodrigo Leite, coordenador dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria da USP, o caso revela um paradoxo: mesmo super conectados, talvez os jovens estejam mais sozinhos do que nunca. “No início, tinha-se a ideia de que as redes seriam potencializadoras de relações sociais concretas, mas estamos nos estranhando”, diz. Para se blindar de sensações desagradáveis, o chamado “unfollow terapêutico” virou recomendação médica. E, segundo Leite, buscar contato presencial com pessoas – no lugar de arrobas – continua sendo a melhor saída contra a sensação de isolamento. Estadão Conteúdo

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